Projeto de Educação 4Ms: Sonho - Caminho - Perspectivas
MUTUÊ-MUXIMA & MALU-MOKO
Cabeça-Coração & Pés-Mãos
1. Contextualização Histórica - O Sonho
A educação sempre foi prioridade da missão em Angola. Desde que as irmãs chegaram ao Cazenga, em 1993, iniciaram o trabalho com educação de adultos junto às comunidades da paróquia. Esse serviço acontecia na simplicidade, embaixo de um imbondeiro, de acordo com as possibilidades da realidade. Aos poucos outros grupos foram surgindo com ou sem o conhecimento das irmãs. Com o tempo esse trabalho de educação se unificou a nível de paróquia, a ponto de firmar parceria com o Ministério da Educação, que oferecia um pequeno subsídio para os facilitadores.
As irmãs em Angola, há mais tempo, sonhavam com um trabalho mais articulado nessa área e, no processo de preparação ao XXIII capítulo geral, apresentaram sugestões a respeito. Assim, na assembleia capitular, em 2012, um dos compromissos assumidos como marcos do centenário da congregação, foi em Angola na linha da Educação. A Coordenadoria Irmã Álcida, em sintonia com a coordenação geral, definiria a delimitação e demais encaminhamentos necessários no decorrer do processo. No capítulo geral de 2018, a congregação renovou o compromisso com a ajuda financeira, e o projeto passou a ser assumido como parte integrante da missão em Angola.
Na assembleia de novembro de 2013, foi definido que o projeto centraria forças no fortalecimento da Educação de Adultos já existente em Luanda, com foco na formação de todos os agentes envolvidos, especialmente dos facilitadores. Em 2014, foi feito levantamento da realidade, esboçado o projeto, as possíveis alianças. Na assembleia da Coordenadoria deste ano foram aprofundados os princípios da educação freiriana e suas implicações na prática. Foi definida a constituição da equipa articuladora: no mínimo uma irmã, um/a Simpatizante que coordenariam, ajudados por 2 facilitadores/as e 2 estudantes. Em sintonia com o carisma francisclariano, nossas linhas inspiradoras e a realidade, definiu-se que a formação seria centrada na dimensão socioambiental, com destaque à educação para a Paz e o cuidado do Planeta.
O projeto tinha nascido sem nome, sem muita clareza, com muitas inseguranças, como fruto de uma busca conjunta nas várias instâncias, para melhor responder aos clamores do povo e na certeza de que “passo a passo, pouco a pouco, o caminho se faz”.
2. Construindo uma identidade - Princípios
Na cultura Africana, o nome dado às pessoas tem sempre uma história, um contexto familiar e social que legitima este nome. Não é simplesmente porque os pais gostaram do nome. Ele vem sempre carregado de memórias, de sonhos em relação ao que esta pessoa deve ser. Ou ainda, que traga presente à memória de alguém com valores, qualidades que a família admirava e quer que esta pessoa vivencie. Faz parte de sua identidade. O nome do projeto foi construído nesta lógica. Queríamos que ele expressasse a essência do que se pretendia.
Depois de muitas conversas, reuniões, questionamentos, aprofundamento, foi batizado: 4Ms - Mutuê-Muxima & Malu-Moko. Sim, neste nome está contido o que foi sonhado, projetado. Enfim, no nome do Projecto estão contidos seus princípios o que queremos com ele.
Princípios Político-pedagógicos
Os princípios do projeto derivam do próprio nome, oriundo de duas línguas de Angola de origem bantu: Kimbundu (duas primeiras palavras) e Kikongo (duas últimas):
1. Mutuê (cabeça) - uma educação que leve a ler e escrever, mas também a pensar a realidade (pessoal, familiar, social...):
- Interpretar esta realidade;
- Conhecer, acompanhar e interagir com o que se passa no mundo;
- Descobrir o que está por trás dos fatos cotidianos e ligá-los ao contexto maior;
- Refletir, analisar situações da realidade socioambiental e propor alternativas.
Ou seja, LER não só as palavras, mas LER A REALIDADE, a VIDA.
2. Muxima (Coração) - uma educação não só da cabeça, da razão, do raciocínio, mas também do coração, dos sentimentos:
- Gostar do que faz;
- Trabalhar sentimentos e atitudes de compaixão, solidariedade, tolerância, respeito, liberdade;
- Sensibilidade para com os outros, principalmente para quem sofre, é excluído;
- Aceitar e conviver com o diferente;
- Educação para paz, o bem, a irmandade universal;
- Trabalhar a autoestima e criatividade;
- Possibilitar partilha de vida, de sentimentos no grupo; troca de saberes entre facilitadores, núcleos, grupos afins e comunidades.
3. Malu (pés-pernas) - uma educação que dê passos e que possibilite firmeza, decisão:
- Caminhar em busca do que ainda não se conhece;
- Sentido de firmeza, decisão, persistência, não desistência (o pé nos deixa “em pé”);
- Caminhar com vontade, otimismo, recomeçar se for preciso.
4. Moko (Mãos) - uma educação que incentive a auto sustentabilidade a unidade, as redes, ligada às grandes causas da humanidade:
- Educação que incentive o trabalho, auto sustentabilidade, as iniciativas de geração de renda;
- Sentido da unidade, mãos dadas com todos e todas que buscam um mundo melhor;
- Respeito, tolerância com todos independentemente de credo, posição social, cultura, opção política, nacionalidade.
Enfim, o Projeto Mutuê-Muxima & Malu-Moko = 4Ms aposta numa educação que se tece com os fios dos saberes incluindo todas as dimensões da vida humana e do planeta! Uma educação que leva em conta o ser humano inteiro em suas múltiplas relações.
3. No caminho a construir o sonho
O projeto continuou sendo construído coletivamente, numa busca conjunta de acertar, de encontrar caminhos. Foi sendo vivenciado na prática e sistematizado aos poucos, flexível às surpresas da realidade e sem perder de vista o essencial.
3.1 Organização – funcionamento
O projeto acontece em cinco espaços, que denominamos Núcleos. Nestes núcleos, acontece a alfabetização de jovens e adultos, na sua maioria mulheres. Existem 2 etapas: 1ª o ano zero, a alfabetização propriamente dita. 2ª que corresponde às classes do ensino primário: módulo I -1ª e 2ª classes; Módulo II - 3ª e 4ª classes; Módulo III - 5ª e 6ª classes. Na alfabetização, é usado o Método APLICA (Alfabetização Participativa, Libertadora Instrumentada por Comunidades Atuantes) que tem origem no método REFLECT, uma versão africana do método de Paulo Freire, desenvolvida pela Associação Angolana de Educação de Adultos – AAEA, que tem sido uma de nossas parceiras.
Cada núcleo tem sua estrutura própria de turmas que variam de ano para ano, a depender da procura.
Existem as atividades extras que são realizadas dependendo das oportunidades ou situações que vão surgindo como: grupo de capoeira, pintura, teatro, campanhas de legalização dos documentos pessoais, etc.
A equipa de coordenação se reúne uma vez por mês e sempre que tiver situações que exijam. Ela se organiza de modo a acompanhar sistematicamente a realidade de cada um dos núcleos. Nos três núcleos maiores, há um coordenador/a que ajuda fazer esta ponte. Os representantes de turma de todos os núcleos se reúnem, no mínimo, duas vezes ao ano. Somado às visitas in loco, isso possibilita uma avaliação e perspectivas mais realistas.
3.2 Formação
Para além da formação contínua de cada núcleo e da formação promovida pelo ministério da Educação, existem:
- As formações mensais (4 hs) para os facilitadores, com conteúdos definidos a partir de suas necessidades, percebidas por eles mesmos ou pela coordenação;
- As planificações mensais, onde os facilitadores se reúnem por módulos e planificam as atividades a partir do calendário anual elaborado conjuntamente e sincronizado com o calendário do Ministério da Educação;
- Duas formações maiores, de três dias, nas duas pausas pedagógicas. O primeiro dia é sempre uma formação conjunta com facilitadores e estudantes de forma mais interativa, em estilo de oficinas. Nos demais dias, faz-se aprofundamento do tema com os facilitadores e professores convidados de escolas próximas.
Para as formações, contamos, de uma forma mais permanente, com assessoria da AAEA e do MOSAIKO – um instituto para os Direitos Humanos, pertencente à Congregação dos Dominicanos. Outras assessorias locais são buscadas conforme o tema e a necessidade.
3.3 A Semana da Paz
O projeto, desde o início, assumiu dinamizar a semana da paz que, na medida do possível, acontece no mês de outubro, conforme a proposta da Família Franciscana. A cada ano, torna-se mais abrangente, com adesão de mais escolas, entidades e sociedade em geral.
A preparação e envolvimento que antecedem a semana da paz e ela própria se tornaram espaços formativos relevantes. Em todas as instâncias são tecidas possibilidades de convivência harmoniosa e respeitosa entre as pessoas, grupos, comunidades e o planeta, bem como denúncias de violações e conquistas dos direitos humanos e sociais. A interação entre as escolas e a caminhada que encerra a semana são momentos de grande sinergia e positividade.
3.4 Escola Paz e Bem
Em meados de 2017, como uma atividade extra, o núcleo Santa Clara de Belo Monte assumiu uma turma de explicação, com filhos e netos das mães estudantes. Entende-se por explicação, turmas de alunos fora do sistema escolar, não contados oficialmente. Foi a resposta que o Núcleo encontrou aos questionamentos das mamás que perguntavam: “Nós estamos a estudar, mas nossos filhos e netos não. O que fazer?”
O número de crianças foi aumentando, a coordenação juntamente com todos os envolvidos foi abrindo a discussão do que implicaria levar adiante a experiência. Avaliados os prós e contras, assumimos a continuidade, com o propósito de constituir uma escola, ainda em forma de explicação. Aos poucos foi sendo estruturada, conforme documentação e outras exigências do Ministério da Educação. Na avaliação dos quatro anos de caminhada, o parecer do projeto de continuar a assumir a escola foi favorável. Assim, hoje o projeto para além da educação de jovens e adultos tem a Escola Paz e Bem que, aos poucos, está a buscar, junto ao poder público, caminhos de legalização oficial.
4. Manutenção
O projeto se mantém através:
- Da contribuição da congregação. Para além da contribuição definida pelos capítulos gerais 2012 e de 2018, tivemos sempre partilhas espontâneas de províncias, de trabalhos e campanhas realizados por irmãs e grupos comunitários;
- Das contribuições vindas dos/as alunos/as,
- De doações de simpatizantes e pessoas amigas do Brasil;
- De doações locais, principalmente de alimentação para participantes das formações;
- De um projeto solicitado a MZF (2017 a 2019).
Observação: Quando o projeto foi iniciado, contávamos com um subsídio que o Estado pagava aos facilitadores. Assim, somado à pequena contribuição dos estudantes, os gastos se davam mais em termos de transporte, formação e material didático. O governo cumpriu com este acordo apenas até a meados de 2016, de modo que precisamos rever as condições internas. E, a partir de 2017, começamos a dar, pelo projeto, um pequeno subsídio aos facilitadores.
5. Desafios e Perspectivas
No decorrer do processo, foram muitos os desafios que precisamos enfrentar tais como:
- Alternância das irmãs e outros membros da coordenação, a dificultar a compreensão do todo;
- Mobilidade dos facilitadores, causando uma descontinuidade no processo formativo;
- Desvalorização da moeda local, diminuindo a comparticipação dos agentes envolvidos e benfeitores locais;
- Não cumprimento do Ministério da Educação do acordo de subsídio aos facilitadores.
Nos princípios-político-pedagógicos, subjazem um processo democrático e participativo, pautado na lógica da partilha de saberes, o que exigiu descontruir práticas e ensaiar jeitos novos de participação no processo de ensino-aprendizagem, bem como nas relações entre os vários agentes envolvidos no projeto. Este aspecto continua sendo um desafio, pois se trata de mudança de valores, atitudes e de mentalidades. Exige mais tempo e avaliação contínua, pois o retorno a práticas pedagógicas autoritárias e descontextualizadas é sempre um risco.
Contudo, continuamos a acreditar que o investimento na formação dos facilitadores, estudantes e professores é uma das formas de ajudar a transformar a realidade. Neste sentido, nós reafirmamos o compromisso de continuar a incentivar, promover as formações pedagógicas e sistemáticas com intuito de oferecer conteúdos que ajudem os/as estudantes, facilitadores e professores a terem uma abordagem mais ampla da realidade; que ajudem a refletir, contextualizar e proporcionar mudanças eficazes pessoal e comunitariamente.
No momento, temos impasses sérios como a recomposição da coordenação, no sentido de garantir a presença de uma irmã. Contudo, notamos que o envolvimento e aceitação por parte população, a dedicação e compromisso dos facilitadores e professores, o reconhecimento até de Instituições do governo local existe. Isto nos faz crer que vale a pena continuar de “Cabeça erguida e coração, nosso projeto de educação, Mutuê-Muxima & Malu-Moko, soletrar a vida pouco a pouco” (do hino do projeto).
“Sonho que se sonha só pode ser pura ilusão,
sonho que se sonha junto é sinal de solução”!
HINO DO PROJETO 4Ms
(L.: Carmelita Zanella; M.: Matoko Daniel e Dionísia C. Carlos)
Junto estamos, vamos ficar / Para aprender, para ensinar.
No ABC do vai vem / Buscar a paz, buscar o bem.
Cabeça erguida e coração / Nosso Projeto de Educação,
Mutuê-Muxima & Malu-Moko / Soletrar a vida pouco a pouco.
Pés no caminho, firmando passos, / Vai um sorriso, vai um abraço,
Juntar as letras, juntar as mãos / Fazer o medo virar canção.
Dividir palavras e esperança, / Somar ideias, plantar mudanças,
Melhorar o mundo dia a dia / Buscar direito, cidadania.
Mente aberta à realidade / Da nossa história: só a verdade
Ler, escrever, participar, / Nossa cultura valorizar.
Nosso planeta: vamos cuidar, / Plantas e flores multiplicar.
A nossa fé no Deus da vida / Mostra caminhos, mostra saídas.
É 4Ms nossa opção. / Um novo jeito de educação.
Ninguém é menos, ninguém é mais / Na diferença somos iguais.
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