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Publicado em Testemunhos
22 Janeiro 2021 Comments (1)
A caminho com o povo

Passo a passo, pouco a pouco, trilhando caminhos diferentes, cheios de vida e doação!

Como hei de agradecer a tamanha graça que o Senhor me concedeu! Como agradecer a Deus pela vida, pela caminhada na família, na congregação e com todo o povo querido que conheci, em sua diversa e rica cultura

As primeiras irmãs catequistas franciscanas que conheci em Ato Alegre – hoje Presidente Kennedy – Concórdia/SC, foram as irmãs Íria Cristofolini e Anna Dematté. Me encantei pelo seu jeito de viver, de conviver com o povo, com sua dedicação, com o espírito de oração. Lá vivíamos a família Dal Mago: o pai, Honorato Dalmago e mãe Albina Colle Mago. Os pais eram muito religiosos e transmitiram essa fé aos filhos e netos. O pai, todos os domingos, ia para a igreja. Celava o cavalo e ia. Tinha dificuldade de andar. Nós íamos a pé com a mãe. Minha irmã e eu íamos um domingo cada, porque só tinha um par de sandálias para as duas.

Era prática a reza do terço todas as noites, após a jantar e lavar a louça, todos de joelhos. O pai puxava a reza. Se as crianças dormissem durante o terço, alguém dava um jeito de acordá-las para continuar a rezar.

Toda a família trabalhava na agricultura. Cultivávamos trigo, arroz, feijão, milho, mandioca, batata, abóbora. Criávamos galinhas, vacas de leite, porcos, patos. Praticamente tudo o que consumíamos era produzido ali.

Éramos onze irmãos, dos quais, cinco deles e os pais, já faleceram. Dois irmãos, Luís e Claudino, são frades franciscanos.

Aos 7/8 anos de idade, eu cuidava de um sobrinho na casa do meu irmão casado. Cuidava do menino chorão e do feijão (fogo), limpava a casa e ia à escola caminhando, numa distância de três quilômetros.

Com 12/13 anos, precisei de cirurgia na perna por duas vezes em dois anos. Fiquei sem caminhar e sem estudar por mais tempo.

Quando a mãe faleceu, eu tinha 16 anos. Éramos cinco irmãos solteiros. Os outros já estavam casados e viviam em suas casas.

Vendo a dedicação e oração das irmãs catequistas, falei a elas que queria ser irmã. No ano seguinte, fui morar na cidade de Concórdia com as irmãs Cecília de Vigilli e Teresinha Scremin.

No ano seguinte, fui para Herval d’Oeste, no Colégio São José. Éramos 95 juvenistas estudantes. De manhã, ia para a escola ali mesmo. A irmã Lourdes Rais era professora. Depois, deixou a congregação. Senti muito sua falta! À tarde, ajudava a preparar a sopa para aquela multidão. Com as irmãs, eram mais de cem pessoas. Continuei os estudos em Herval d’Oeste.

Fiz o noviciado em Rodeio/SC, com irmã Melanea Malkowski como mestra. De tempo em tempos, ficávamos em Laurentino por quinze dias. Lá a mestra era Irmã Edwiges Rossi. Nosso grupo de noviciado: Adilma Mezzari, Leda Corso, Maria Diva Schiochet, Maria Treviso (in memoriam), Marilete Rover, Nair Izoton e eu. Outras desistiram... Foi muito importante esse ano!

No primeiro ano de irmã, fui para Corbélia/PR, onde cursei o Magistério num período de três anos. Nos finais de semana, íamos às comunidades do interior junto com o padre Breda e acompanhávamos a formação de catequistas e animadoras/es de comunidades, visitávamos famílias. Povo muito querido na atenção e doação!

Depois dos três anos, fui a Vitorino/PR. Também lá, o trabalho era visita às comunidades, formação de catequistas e animadoras/es das comunidades, formação para os líderes da paróquia. Neste tempo, um grupo de irmãs e padres participamos de uma missão no período de um mês, promovida pela diocese de Pato Branco, em Grajaú/MA. Nas visitas às comunidades e famílias, encontrei um povo muito bom, acolhedor e extremamente pobre. Isso calou muito forte em mim.

A partir dessa vivência missionária, pedi para ir à missão na Bahia. E lá fui! Vivi primeiro em Miguel Calmon, com irmã Vitalina Trentin. Acompanhávamos as comunidades, a formação de animadores/as e catequistas, visitávamos as famílias. Uma das comunidades era o Cabral, onde viviam e vivem os pais da irmã Silvana Sampaio Gomes. Quando chegávamos no Cabral, Silvana – ainda menina – dizia que já tinha ensaiado os cantos para a celebração. Ela estudava na cidade e nos finais de semana ia para a casa dos pais. Tempo depois ela ingressou na congregação.

Nesse período, meu pai faleceu. Fui para o enterro. Mas, como a distância era grande, quando cheguei, o povo já saía da igreja para o cemitério, cantando “Senhor meu Deus, quando eu maravilhado”. Quem cantava era o coro de Concórdia com frei Luís, meu irmão, que tinha presidido a missa de corpo presente.

Depois, morei em Piritiba, Mundo Novo, Curaçá e Morro do Chapéu. Em todos esses lugares, o serviço consistia em visitas às comunidades, formação dos animadores e catequistas, visitas às famílias, celebrações nos bairros, atividades em busca de alternativas para a convivência com o semiárido, participação em movimentos sociais e populares, pastorais sociais, romarias da terra e das águas. O povo sempre muito simples me marcou muito. Participávamos de encontros e atividades diocesanas, tanto na diocese Ruy Barbosa, quanto nas dioceses de Irecê e Juazeiro. Nesta última, tive oportunidade de conviver com dom José Rodrigues, homem simples, homem do povo, pé no chão das realidades gritantes, do povo sem voz e sem vez. Também conheci Gogó (Roberto Malvezzi).

A paróquia de Morro do Chapéu compreendia cinco municípios: Morro do Chapéu, Cafarnaum, Canarana, Barro Alto e Mulungu do Morro e contava com um padre apenas – padre Juca, já com idade avançada. Atendíamos todas as comunidades. Ficávamos alguns dias em cada uma para formação, preparação de pais e padrinhos para os sacramentos do batismo, matrimônio e crisma. Em muitas delas, realizávamos também os batizados e casamentos. Foi um tempo muito importante estar dias nas comunidades. Aprendi muito com o povo simples e cheio de fé, comprometido com a vida.

Depois de 20 anos na Bahia, manifestei o desejo de ir a Angola. Na época, a ministra geral era irmã Cristina Souza. Durante o capítulo provincial, falei para ela do meu desejo e ela respondeu “é você que vai!”. Na celebração do envio, frei Luís, meu irmão, disse que eu fiz o noviciado na Bahia como preparação para a missão Angola.

Em Angola, o primeiro lugar em que vivi foi no Cazenga, na periferia de Luanda, com as irmãs Antônia, Sebastiana e Vitalina. No primeiro sábado em que estava lá, irmã Sebastiana me acompanhou à Paróquia Santa Madalena, onde ela começou rezar com o povo embaixo de um imbondeiro. Depois, deram continuidade às atividades com alfabetização das Mamás, formação com os líderes, catequistas, grupos de famílias. Uma caminhada bonita com o povo! No sábado, ela me apresentou aos catequistas e disse que eu estaria para acompanhar a caminhada e outras atividades. Fui muito bem acolhida pelos catequistas! No domingo, fomos à missa e fui apresentada à comunidade. Povo muito alegre e acolhedor!

Aos poucos, fui me entrosando. Nos primeiros anos, durante a semana, acompanhava o grupo de alfabetização das Mamás e crianças.  Os grupos de famílias se reuniam aos domingos à tarde. Outros grupos que também acompanhávamos: catequese aos sábados e domingos – o número de crianças aumentava... os grupos de casais tinham sua catequese aos domingos após a primeira missa.

Uma cena que me marcou muito foi ver as Mamás saindo com bacias na cabeça, crianças nas costas, o dia todo, para vender alguma coisa, a fim de comprar outras para o preparo da janta.

O trajeto de casa para a igreja – 15 a 20 minutos andando – era espaço privilegiado para encontrar as pessoas: Mamás, crianças, jovens... dando um bom dia e perguntado como vai. As crianças chamavam “Madre! Madre!” – dos menores aos maiores. Era uma festa! Eu ia saudando as pessoas, dando atenção. Elas não esquecem...

Tenho alguns afilhados de batismo e crisma. Por mais que dissesse não, a insistência foi tão grande, que aceitei.

De lá, fui a Cabinda-Subantando. Região de comunidades rurais, povo, fé, coragem! Lá estive com várias irmãs em épocas diferentes: Olinda, Mirian, Rosa, Elizabeth. Saímos de Subantando para Lombo-Lombo, para as jovens estudarem. Depois, mudamos para o complexo residencial de Cabinda – Cabassango.

Avancei para o Moçambique  - Maputo, com irmã Carmelita. Ela fez o mestrado em dois anos. Na paróquia São Quesito, eu acompanhei a Infância e Adolescência Missionária e grupo da Cáritas. Uma vez por semana, Irmã Carmelita e eu participávamos dos encontros de famílias à noite e aos sábados, acompanhávamos a catequese.

Depois, irmã Darlene e eu fomos para a diocese de Tete – paróquia de Boroma. Lá, não havia padre permanente. Ele vinha só aos domingos para celebração da Eucaristia. Nós trabalhávamos na formação das lideranças, catequistas e liturgistas. Íamos nas comunidades para celebração e formação dos animadores. Periodicamente, reuníamos os animadores por região para formação e orientação. A gente sentia muita carência na formação. Um povo que ficou muito só, com pouca presença religiosa. É uma região muito, muito quente! Muita pobreza, pouca produção, falta de chuva... Tínhamos uma horta para produção de legumes. A água era de um poço. Os alunos que iam para a casa depois das aulas entravam para tomar água, pois na escola não havia água e era muito distante de casa. Para ir à cidade de Tete, o povo usava uma caminhonete ou caminhão. Enchia como se fosse formiga... Deus protegia pessoas e compras!

Depois de cinco anos no Moçambique, voltei para Luanda – Cazenga, continuando a caminhada com o povo querido.

Em 2017, voltei a Cabinda, com irmã Terezinha. Paróquia Santos Mártires de Cabassango. Irmã Terezinha trabalha na escola e com trabalhos manuais com meninas e moças em nossa residência e em comunidades do interior. Acompanha a comunidade de Bucongoio aos domingos e participa da missa nesta comunidade.

Eu acompanhei escola de explicação para crianças, com mais três jovens que trabalhavam comigo. O trabalho era de manhã e à tarde. Na paróquia, acompanhei os catequistas, a JUFRA e o grupo da Cáritas. Uma vez por mês, fazíamos sopa e levávamos para as pessoas doentes no hospital. Participava, também, da comunidade São Gabriel. As missas eram às 06:30h da manhã. Eu acordava mais cedo e andava uns 30 minutos para chegar. Era muito bom!

Saída de Cabinda: no ano de 2020, em plena pandemia do novo coronavírus, tive paludismos seguidos. Fiquei internada, tomando soro e outros medicamentos próprios para o paludismo. As hemoglobinas baixaram muito e eu fiquei com muita fraqueza. Como a médica afirmou que não resistira se apanhasse outro paludismo, em diálogo, com as irmãs da Coordenação da Coordenadoria e da coordenação geral, achamos melhor que eu viesse para o Brasil. E aqui estou, em Joinville, desde o dia 04 de novembro de 2020. Tomei vitaminas, refiz as energias, recebi cuidados, melhorei! Sou muito grata por tudo à irmandade da Sede Geral!

O que me deu forças para sustentar essa missão e vivência foi o espírito de oração, alimentado pelos momentos orantes, retiros, aprofundamento de temas; o apoio e a convivência com as irmãs, a convivência com o povo, sua presença e atuação conjunta com sua simplicidade, doação, empenho pela vida.

Sinto-me motivada a continuar a missão com o povo. Meu desejo seria em Angola, mas, dependendo das condições de saúde, onde eu for, continuarei a missão com o povo simples pela causa do Reino!

Quero dizer às Irmãs Catequistas Franciscanas que sou muito grata pelos anos que vivi em Angola e Moçambique. Voltei ao Brasil, não por desejo meu, mas por necessidade em vista da saúde. Mas, acredito muito naquela missão e acredito que outras irmãs irão continuá-la.

 Às jovens que estão discernindo sua vocação, afirmo que a Vida Religiosa Missionária vale à pena! E nossa congregação tem um projeto de vida no qual você pode somar. Que tal?

“Deus é Mais!!!”

Irmã Aurélia Dal Mago

Joinville, janeiro de 2021