Luto, lágrimas e luta na XXI Assembleia Geral do Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
Seguiremos, descalços, rumo à Terra Sem Males que virá, eis a nossa certeza e a Esperança que nos anima!
Não foram lágrimas de boas-vindas. Foram lágrimas de dor e compaixão dos participantes da XXI Assembleia Geral do Conselho Indigenista Missionário causadas pelo terror que se alastra sobre os povos indígenas no Brasil. Contudo, todos partiram hoje, dia 18 de setembro, depois de quatro dias de Assembleia no Centro de Formação Vicente Cañas, Luziânia (GO), com a soma de pequenas esperanças que emergem das contradições do sistema que é a mola mestra do Estado Brasileiro. Esse sistema, sustentado pelos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo e os canhões do grande capital e do agronegócio, procura encaminhar os povos indígenas para a solução final de extermínio.
Animados pelas palavras da recente encíclica do Papa Francisco, que “o direito por vezes se mostra insuficiente devido à corrupção, requer-se uma decisão política sob pressão da população” (LS 179), os cerca de 200 participantes dessa Assembleia procuraram aprofundar essa pressão e se debruçaram sobre questões dos ‘Estados Plurinacionais e Autodeterminação dos Povos Indígenas: Em Defesa da Vida dos Povos e do Direito da Mãe Terra’. Essas reflexões nos levam a somar nossas forças às dos indígenas e outros setores da sociedade brasileira que lutam por direito e justiça, por pão e vida que serão o resultado de uma luta dos que, aparentemente, estorvam o progresso do país. E o Papa Francisco mais uma vez nos dá força para nossa luta, quando diz que precisamos redefinir o progresso e o desenvolvimento: “Um desenvolvimento tecnológico e econômico, que não deixa um mundo melhor e uma qualidade de vida integralmente superior, não se pode considerar progresso” (LS 194). As instituições do Estado buscam derrotar projetos coletivos de futuro; cerrando portas e lançando a todos e todas na mais profunda escuridão. A propriedade privada converteu-se em direito absoluto, acima de qualquer outro. Os indígenas, por sua vez, forçam brechas de luz sobre este luto inconcluso.
Violências de todas as ordens se sucedem numa escala sem precedentes na história contemporânea do país. Nomeamos apenas um caso entre uma sequência quase diária de assassinatos, espancamentos e duvidosas reintegrações de posse: o assassinato de Simeão Vilhalva Guarani e Kaiowá da Terra Indígena Ñanderú Marangatú, no último dia 29 de agosto. O recurso ao marco temporal para revogar terras demarcadas é uma intervenção perversa porque retoma o tratamento de uma injustiça pré-constituinte. O poder Legislativo trabalha em dezenas de projetos de lei e emendas à Constituição para desfazer os direitos assegurados. Milícias e pistoleiros funcionam como a polícia deste Estado genocida. Ruralistas coordenam atentados declaram publicamente a utilização de armas contra os indígenas. Nada os incomoda. “A vida de uma criança vale menos que um boi”, lamenta Anastácio Peralta Guarani. O cacique Valdomiro Vergueiro Kaigang denuncia: “O governo não está respeitando por onde nosso povo passou, onde enterramos nossos mortos, onde deixamos nossas cinzas”.
Desde a primeira Assembleia do Cimi, em 1975, defendemos a Mãe Terra como condição necessária para a autodeterminação dos povos indígenas. Defendemos, igualmente, um Estado Plurinacional como alternativa ao modelo atual, subserviente aos interesses privados, ao capital internacional. Os povos indígenas enfrentam a lógica opressora desse sistema político que promove a concentração de riquezas, terras, lucros gerando depredação ambiental e desigualdades sociais.
Tudo isso espelha a lógica da colonialidade na qual é preciso colonizar o ser, o saber e o viver convertendo estes povos em despossuídos. As cosmologias indígenas nos ensinam que os ataques aos indígenas recaem sobre toda a sociedade. O genocídio leva a perder a oportunidade ímpar de aprender com eles o Bem Viver com o planeta Terra, nossa Casa Comum como adverte o Papa Francisco: “Entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que ‘geme e sofre as dores do parto’ (LS 2)”.
Renovamos a aliança histórica do Cimi com os povos indígenas, mesmo em meio às lágrimas. Seguiremos, descalços, rumo à Terra Sem Males que virá, eis a nossa certeza e a Esperança que nos anima!
Luziânia, 18 de setembro de 2015
Conselho Indigenista Missionário – Cimi