Nos dias 20 a 26 de setembro, em Curitiba/PR, 30 Irmãs participaram do Retiro orientado por Irmã Tea Frigerio, em preparação ao Capítulo da Província São Francisco de Assis.
Fomos convidadas a refletir sobre espiritualidade retornando as fontes a partir do cotidiano da vida. Meditamos o texto de Lc 23, 50-56, o qual relata momentos vividos entre a paixão e a ressurreição, tempo longo de transição e silencio onde “o Mestre dorme”, testemunhado mais uma vez por mulheres, que junto a José de Arimatéia, o ajudam a tirar Jesus da Cruz, como testemunhas presenciais deste doloroso e expressivo momento. Elas voltam à casa para preparar os perfumes e bálsamos, gesto místico, ritual de amor, beleza, desperdício e por isso de gratuidade; gesto que se torna profético e assume o valor político, prenunciando que algo deve ser mudado de que o “novo” deve acontecer.
Destaca-se também o profeta Jeremias que nos convida a ver o tempo como Kairós. O Kairós é o tempo do encontro; encontro com o presente, a realidade, as pessoas, com Deus. É o presente que não se pode antecipar, nem se pode vivê-lo olhando o passado; é tempo do encontro, da relação que faz mudar o programa, faz mudar estrada porque é convite a acolher quem está chegando.
Com toda a sua maestria em conduzir a reflexão, Irmã Tea levou-nos a contemplar a instalação do Cristianismo na História e nele, toda a trajetória da Vida Religiosa Consagrada que é busca e caminho de fidelidade. Fidelidade que não é estaticidade, que é movimento; é perseguição de um sonho, é a ousadia de se deixar guiar pela Divina Ruah. O sonho, o anseio de viver a Vida Religiosa sem muita estrutura é desejo místico. É redescobrir a circularidade a vida, da história: a diversidade deve circular, a gratuidade deve ser cultivada.
Inspiradas em Fl 2, 5-11 o Hino revela que a kenosis não é uma espoliação heroica: Jesus Cristo se esvaziou para nos encontrar. Do próprio Cristo aprendemos outra definição de castidade: abrir espaço, tornar-nos sensíveis ao encontro com as pessoas e com toda a realidade humana e do universo.
A VRC não nasce com a característica dos votos, mas hoje eles são parte fundamental desta opção. Atualmente, há uma necessidade de renomear os votos religiosos: voto de castidade como voto de relacionalidade, o qual requer sobretudo a capacidade de se relacionar com calor humano, ternura e carinho que a partir da sacralidade da vida tecem relações profundamente amorosas, ternas e misericordiosas com as pessoas e com o universo; criar relações novas, onde se cultiva a vida para ser uma profecia na realidade atual.
O voto de pobreza nos coloca em relação com o universo e os seres humanos. Ele nos convida a percorrer um caminho de devolver a nós mesmas “a casa”, e a nos perceber como criaturas planetárias e cósmicas. Somos a memória visível de um universo em processo, parte de uma imensa rede interrelacional. Por sermos imagens e semelhança do Criador, Ele nos elevou para sermos no universo a continuação de sua presença criadora e fecunda para cultivar e cuidar da vida.
Renomear o voto de pobreza como voto de mutua sustentabilidade, significa aprender de novo o “estar em casa”. Casa a qual pertencemos junto aos outros seres com os quais partilhamos a terra como lar, numa relação de interdependência que garante a vida. O sonho de Deus é colocar em círculo os bens, a vida.
Renomear o voto de obediência como voto de mutua colaboração significa acreditar que os seres humanos são sempre o resultado de nossas relações. O chamado à mutua colaboração é um chamado a uma nova forma de participação global. Trata-se de reorientar nossa vida, em relação aos outros (as) e frente à história. A partir disso, obediência é uma maneira de estar na história, e nos reporta à cotidianidade, “cada manhã”. Em relação à comunidade religiosa, vai além do diálogo interpessoal; obediência como dialogo, é reconhecer que há um sonho maior, mais amplo, comunitário e universal. Não é ser cega – mas é inteligência da fé: “intus legere” = ler dentro e a partir de dentro; ler com as outras, é sabedoria que se cultiva entre buscas, anseios, correções, fracassos e lutas. Urge caminhar humildemente com Deus.
A VRC é um chamado e uma vocação à liminaridade, um chamado a oferecer uma imagem especular na qual as pessoas possam ver refletidas e reconhecidas suas buscas, lutas e esperanças de uma existência mais significativa.
Inspiradas em Jo 10 e Sl 23 fomos convidadas a olhar Jesus em seu despojamento e sua imagem de Jesus “belo” (kalòs) pastor, que depõe e retoma a vida para nos consignar um mandamento novo e antigo de amar como o Pai ama, de amar como Ele amou.
Em uma profunda celebração misturando silêncio, perfumes, musica, toques, ternura, carinho, misericórdia... fomos convidadas a repetir, em dupla, o gesto de Maria de Betânia, quando inclinada aos pés de Jesus quebrou o frasco de alabastro e derramou todo o perfume de nardo puro. Através deste gesto humilde da unção dos pés, sentimos o apelo de sermos “o bom perfume de Cristo” para nós, a nossa fraternidade e as pessoas que nos rodeiam.
Motivadas pelo texto de Jo 16, 20-22 onde Jesus se despede e promete enviar o advogado, o Espirito da Verdade, encerramos este retiro sendo convidadas a praticar a circularidade das relações, no caminho do discipulado de Iguais.