Maria visita uma mulher que vive uma gravidez de alto risco, e Isabel acolhe uma adolescente grávida (Lc 1,36-37.39-45).
“Fique sabendo que a sua parenta Isabel está grávida, mesmo sendo tão idosa. Diziam que ela não podia ter filhos, no entanto, agora ela já está no sexto mês de gravidez. Porque para Deus nada é impossível. [...]. Alguns dias depois, Maria se levantou e, às pressas, se pôs a caminho de uma cidade da região montanhosa da Judéia. Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança se agitou na barriga dela. Então, cheia do poder do Espírito, Isabel proclamou bem alto: – Você é abençoada entre todas as mulheres, e a criança que você vai ter é abençoada também! Quem sou eu para que a mãe do meu Senhor venha me visitar?! Quando você me cumprimentou, a criança ficou alegre e se agitou na minha barriga. Você é abençoada, pois acredita que vai acontecer o que o Senhor lhe disse”. (Bíblia na Linguagem de Hoje)
Não vamos refletir aqui sobre a questão amplamente discutida a respeito da historicidade dos fatos mencionados neste texto. Sabemos que os evangelhos não são narrativas históricas, mas alento espiritual e iluminação da fé, para a vivência das primeiras comunidades cristãs e também para nós hoje. Portanto, são narrativas que apontam para realidades teológicas, muito mais que para os fatos descritos.
O texto acima retrata com singeleza e vigor o dinamismo de duas mulheres, uma adolescente e uma idosa, buscando, uma na outra, a confirmação e o fortalecimento de seu ser mulher, seu poder, sua autoridade e autonomia. Elas não necessitam de nenhuma permissão ou confirmação de homens para se afirmarem e se proclamarem particularmente agraciadas pela força da Ruah Divina (em hebraico, Espírito é palavra feminina). Buscam e encontram em si mesmas e uma na outra as razões da própria fé e esperança.
O encontro ocorre na casa do sacerdote Zacarias, já mencionado no início do capítulo. No entanto, na cena de agora, não há nenhuma presença ou ação masculina, nem mesmo do anjo Gabriel, interlocutor importante nas cenas anteriores neste capítulo do evangelho lucano. A solidariedade entre a jovem e a idosa é apresentada com ênfase. A alegria de ambas é contagiante. A liberdade e espontaneidade estão presentes em cada palavra do texto. Cada uma está vivendo uma situação muito especial como mulher, no contexto de uma sociedade kiriarcal (dominada pelo senhor) que estimula a inimizade e a competição entre as mulheres. Isabel, em idade bastante avançada, vivencia uma gravidez inesperada e complexa. Maria, por sua vez, experimenta as primeiras sensações de uma maternidade juvenil, sob a mira dos guardiães da lei e da religião, que prescreviam castigos especiais para mulheres que não se encaixavam no padrão sociocultural e religioso da época.
Embora em idades e condições sociais e religiosas bem distintas ambas vivem, pela primeira vez, a experiência da maternidade, desafiando as regras estabelecidas pelo sistema kiriarcal vigente. As duas são apresentadas cheias de poder, “grávidas” da dynamis (força, poder) da Ruah, demarcando um novo tempo messiânico de libertação para o seu povo, a exemplo de diversas mulheres do Primeiro Testamento, como Jael (Jz 5,24) e Judite (Jd 13,18).
É claramente evidente, entre Isabel e Maria, uma peculiar sintonia, um tipo amizade e cumplicidade que contrasta com a cultura androcêntrica (centrada no homem) e kiriarcal, que concebe as mulheres como competidoras e inimigas potenciais, e as estimula a assumirem esse estereótipo. Estas duas mulheres, ao contrário, entrelaçam seu coração e seus corpos, num abraço cheio de ternura, cumplicidade e contemplação recíprocas do mistério que as envolve e as revolve. O útero estéril da mulher idosa agora estremece com a vida que nele se desenvolve pela ação da Ruah Divina. E o útero fértil da jovem inexperiente também vibra em sintonia com a anciã plena de sabedoria. Ambas abençoam uma à outra e profetizam. Uma profecia que provoca, denuncia e sacode as bases do kiriarcado, que designava uma sorte bem diferente para mulheres em tais situações.
É impressionante como o texto ressalta a coragem destas duas mulheres. “Maria se levantou e, às pressas, se pôs a caminho” (v. 39). Quem se levanta é sujeito de ações e, portanto, de autonomia. Quem toma a palavra e rompe com a obscuridade histórica imposta às mulheres pelo kiriarcado, mina as bases do sistema dominador e opressor. Mulheres conscientes e audaciosas, que se unem e se apoiam mutuamente, são capazes de gerar grandes processos de transformação.
Isabel também aparece no texto como uma mulher forte e sábia que, justamente por estar vivenciando uma gravidez excepcional, é capaz de compreender, solidarizar-se e acolher uma adolescente assustada, que vivencia pela primeira vez uma gravidez inesperada, no período do noivado, antes da consumação do casamento. Em sua idade avançada, Isabel sabe, por experiência própria, o que significa ser estigmatizada e marginalizada por estar fora do “padrão” sociorreligioso designado para as mulheres de sua época. Certamente para Maria, foi muito importante esse apoio de outra mulher mais madura e experiente num momento tão difícil, assim como o é para tantas adolescentes de hoje, que passam por situações não menos preocupantes.
Maria e Isabel, ao se encontrarem, não se limitaram a expressões recíprocas de afeto e reconhecimento da ação divina em suas vidas. A partir do “amor a si mesmas” e da solidariedade, elas celebram a ação divina também em favor de todas as pessoas pobres e humilhadas da história. Elas estão conscientes que seus ventres carregam uma história futura carregada de esperança messiânica. O “novo” que cada uma leva em si já é semente de libertação e fonte de alegria e dinamismo para todas as pessoas que acreditam e atuam para criar uma nova ordem social, um mundo diferente, onde todas as pessoas possam desfrutar a vida plenamente.
Comentários
Um abraço grande, com focos de luz em sua Missão.