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30 Outubro 2019
O Senhor me conduziu entre eles

E o Senhor mesmo me conduziu entre eles e eu tive misericórdia para com eles.Test2

Acolhi como um envio do próprio Deus meu retorno à São Paulo, ao Serviço Franciscano de Solidariedade (SEFRAS) junto à população em situação de rua, “e o Senhor mesmo me conduziu entre eles...”. Após cinco anos de dedicação à Congregação na Coordenação Geral, desde o início de março de 2019, voltei a partilhar minha vida-missão no Núcleo de Convivência para Adultos em Situação de Rua, mais conhecido como o Chá do Padre, na região da Sé.

O Núcleo tem como missão oferecer um atendimento diferenciado à População em Situação de Rua. Trabalhamos com as portas abertas todos os dias. As pessoas entram e saem livremente. É um espaço de convivência e há empenho para realizar uma acolhida e atendimento humanizado e personalizado a este público; além de ofertar oficinas e atividades socioeducativas com o objetivo de despertar saberes, habilidades e potencialidades.

É nesse espaço, no coração da grande metrópole que é São Paulo, que me encontro como Irmã Catequista Franciscana exercendo minha profissão como psicóloga. É um exercício constante de “tirar as sandálias, pois o chão é sagrado” (Ex. 3,5); são vidas que clamam por vida, por visibilidade, por cuidado, por escuta, por acolhimento, por um olhar, um sorriso, por dignidade, por direitos garantidos... Faz-se necessário ver, ouvir, conhecer, descer, para ajudar a libertá-los (cf. Ex 3,7). Faz-se necessário “ter misericórdia com eles” (Test 2). Faz-se necessário reconhecer em cada pessoa, em cada irmão e irmã em situação de rua o rosto de Deus, o rosto de Jesus Cristo que disse: “todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores meus irmãos, foi a mim que o fizeram” (Mt 25,40).

É desafiante! É gratificante! É uma mistura de sentimentos que envolvem e que movem ao encontro daqueles e daquelas que eu não peço, mas Deus na sua gratuidade coloca no meu caminho. É um sentimento de muita impotência diante da vida que clama na pessoa que está diante de mim, e muitas vezes quase nada posso ou tenho a oferecer diante do que ela busca, de suas necessidades e demandas. É um sentimento de solidão, em determinada situação sinto-me só. É um sentimento de consolo e de confirmação que estou com aqueles/as, pelos quais fiz uma opção de vida, por isso tenho certeza que não estou sozinha, “o Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou, para anunciar a Boa Notícia aos pobres, enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e proclamar um ano da graça do Senhor” (Lc4,18-19).

Está sendo uma experiência muito gratificante! O trabalho em equipe e como equipe de funcionários, assumido com corresponsabilidade, tem possibilitado aprender e trabalhar com o diferente. A dinâmica do trabalho tem possibilitado dialogar com outras instituições, organizações, entidades, nas diferentes áreas. Um trabalho realizado em prol da garantia de direitos e reinvindicações das políticas públicas em prol do seguimento – população em situação de rua. Uma experiência que vem confirmando os apelos do Papa Francisco “uma Igreja em saída”, que está comprometida com os que se encontram nas periferias existenciais; que para muitos são invisíveis, não são percebidos, mas estão ai, bem presentes no grande centro da cidade. Aqui destaco a importância de estar no SEFRAS, pois, ele nos possibilita estar em situação de fronteira, na periferia, no lugar de confronto; lugar este que nem sempre a igreja tradicional nos possibilita chegar.

É um grande desafio. Tenho sentido, entendido e experimentado, em muitos momentos, as parábolas de Jesus Cristo, principalmente a oferta da viúva, a medida de sal, do fermento, grão de mostarda. Reconhecer o valor das pequenas coisas, pequenos gestos e sentir-me tão pequena – uma gota de água, um grão de areia, mas sem perder a esperança, ternura e a misericórdia para com eles e elas – pessoas em situação de rua.

População esta, que acompanhamos o crescimento exorbitante no dia-a-dia. São inúmeras as causas que fazem aumentar os números: conflitos familiares, desemprego, problemas de saúde mental, dependência química, entre outras, que afetam jovens, idosos, mulheres e homens, com diferentes graus de escolaridade. Vindos de outros Estados e muitos de São Paulo. Os dados são assustadores, só na capital paulista, em 2019 a população em situação de rua deverá chegar a 25.000 pessoas. O Estado de São Paulo possui 647 municípios sendo que em 421 deles possuem menos de 25.000 habitantes, ou seja, 65,07% dos municípios do estado têm um número de pessoas, inferior ao número de pessoas em situação de rua na cidade de SP (dados da apresentação na 1º Assembleia Sinodal do Vicariato Episcopal para a Pastoral do Povo da Rua).

Como manter a chama da Vida e vida em abundancia para todos/as? Eles e elas são os pequeninos que continuam pedindo pão, não mais em Rodeio/SC como a quase 105 anos, mas sim na grande metrópole de São Paulo com todos os desafios, possibilidades e oportunidades do mundo urbano. O que temos a oferecer enquanto Vida Religiosa, Irmãs Catequistas Franciscanas, Simpatizantes do Carisma? “Dai vós mesmo de comer” Mc 6,37.

Que o Deus da vida continue nos dando força, coragem, resistência e perseverança para sentir, acolher e reconhece-lo em cada irmão e irmã em situação de rua. Que continue nos proporcionando experiências de encontros que nos levem a reconhecer que Deus habita a cidade, isto é, Ele está no meio de nós (cf. Mt 28,20; Dt 31,6). E que tenhamos a graça de sermos instrumento de Deus juntos daqueles que partilhamos a vida e que esse serviço-missão seja sentido e acolhido todos os dias como um envio do Senhor que nos conduz para estar com eles e elas e ter misericórdia.

 

Informações adicionais

  • Fonte da Notícia: Irmã Ivonete Gardini