"Intuiu caminhos de saída, não raras vezes, saídas corajosas, oportunas e sábias" (Irmã Lúcia Deluca)
No dia 22 de agosto, fazemos memória da páscoa de Frei Polycarpo Schuhen. Para nos ajudar nessa celebração, recebi um convite desafiador: escrever como Frei Polycarpo pode nos inspirar nos dias de hoje. Em espírito de colaboração, escrevo a partir de minhas intuições diante do que li e ouvi sobre ele e especialmente neste tempo onde a sociedade, e nós dentro dela, está vivendo crises estruturais, ambientais, sociais, econômicas e, porque não dizer, religiosas!
Tenho dificuldades em compreender as ações e decisões de Frei Polycarpo sem me inteirar do contexto no qual exerceu seu ministério. Mas, antes de olhar para o retrovisor que nos reportará ao final do século XIX e início do século XX, vamos levantar a lupa que nos conduzirá neste momento, expressa nas seguintes perguntas: Quem era o rebanho dos franciscanos? Qual a sua procedência? Porque deixaram sua terra natal? Quem era Frei Polycarpo? Como nos inspirar em suas intuições e ações para enfrentar este contexto de crises e pandemia provocadas pelo coronavírus?
A Itália estava passando por um processo de unificação nacional, além de ser atingida pelas transformações socioeconômicas do modelo feudal para o capital, que estava ocorrendo no continente europeu. Esta passagem trouxe para os europeus concentração de terras nas mãos de poucos proprietários, altas taxas de impostos sobre a propriedade, forçando o pequeno proprietário a se endividar com empréstimos para saldar os impostos. Com a oferta em maior quantidade, surgem as concorrências desiguais entre os pequenos e grandes produtores. As Indústrias não conseguiam absorver a mão de obra trabalhadora. Para a grande maioria dos pequenos proprietários e desempregados restava migrar para outras terras, outros países, em busca de melhores condições de vida. (Imigração italiana no Brasil - Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre).
Entre outros países, o Brasil, após a liberação da mão de obra escrava, precisava de trabalhadores para a lavoura do café. Os italianos viam neste país a possibilidade de refazer sua vida, buscando sua estabilidade econômica. Ao chegar ao Brasil, muitos escolheram ficar na região de São Paulo para o trabalho nas lavouras. Outra leva veio para o sul do país. Estes vinham em busca de um pedaço de terra. Ao “adquiri-la”, começam a derrubada da mata nativa para o plantio de milho, arroz, fumo, uva... e, com esta última, dedicam-se à fabricação de vinho. Os italianos, além de suas tradições e costumes, trouxeram na bagagem a sua fé católica e o modelo familiar tradicional. (Imigração italiana em Santa Catarina - Por Fernanda Paixão Pissurno - Mestra em História (UFRJ, 2018) Graduada em História (UFRJ, 2016).
É neste contexto que se situam Rodeio, os Frades Franciscanos e Frei Polycarpo. Este último está muito presente em nossa história e também encontramos muitos escritos sobre sua pessoa.
Mas é bom relembrar quem foi ele. “Frei Polycarpo, nasceu a 17 de outubro de 1873, em Recklinghausen – Alemanha. A 20 de setembro de 1891 ingressou na Ordem Franciscana, fazendo o noviciado na Holanda. Após o noviciado, prosseguiu os estudos de teologia, filosofia e retórica. Desejando ser missionário no Brasil, recebeu a ordenação sacerdotal no dia 28 de maio de 1899, mesmo antes de completar os estudos. Exerceu seu ministério como confessor, professor, pregador e pároco. Além de outros lugares, permaneceu um bom tempo em Rodeio-SC”. (Memórias de Frei Polycarpo Schuhen- Anita David pág 1 Cicaf).
Podemos acrescentar que Frei Polycarpo “era amigo do povo, sempre atento às necessidades do mesmo. Visitava as famílias, aconselhava as pessoas quando o procuravam, mas também não perdia a oportunidade de convidar à prática dos sacramentos e ao exercício dos bons costumes”. (Memórias de Frei Polycarpo Schuhen- Anita David pág 1 – site Cicaf).
Sua atenção à realidade, tanto no cenário religioso como político, além de sua fidelidade às orientações da Igreja, lhe permitiam intuir caminhos de saídas corajosas e sábias frente aos problemas e conflitos sociais e religiosos. (Frei Polycarpo Schuhen, Homem da Intuição – Lucia Deluca pág 2 – site Cicaf).
Neste tempo de crises e de pandemia, o domínio do capitalismo espalha insegurança, incertezas, desmantelamento das estruturas e dos organismos governamentais e sociais, colocando em risco a princípios garantidos pela constituição e pelos direitos humanos universais, provocando a desestruturação das famílias, dos países e porque não dizer, abalando a fé e o sentido da vida.
Nós, como Congregação, além de também estarmos sendo atingidas por este contexto vivido pela população, estamos em processo de reorganização. Isto também nos atinge, para algumas, com sentimentos positivos, em outras, despertando insegurança..., medo.., incertezas...
Diante do exposto acima, poderíamos nos perguntar: se Frei Polycarpo estivesse aqui, como responderia aos apelos da realidade atual? Escrevo, sem pretensão de querer dar respostas, mas partilhar minhas intuições a partir do contato com o contexto social e a vida dele e de seu rebanho.
Começo pela sociedade capitalista neoliberal, que tem como objetivo o projeto de morte para as classes pobres, marginalizadas e excluídas dos bens e direitos sociais e humanos, que vê a vida do planeta como objeto passível de manipulação e domínio, diante do desmonte de tudo o que é a favor da vida e do planeta.
Tendo o cuidado de não julgar as ações de Frei Polycarpo com o olhar crítico dos dias atuais, ele, me e nos indica o caminho de Jesus, do Reino de Deus que é para todas as comunidades cristãs. Jesus está no meio do povo, conhece suas fraquezas, sua força, acredita na união dos fracos. Demonstra isso na escolha dos doze, desperta comunidades, inclui nelas as mulheres, as crianças, os aleijados, doentes e estrangeiros. Devolve a auto estima, a credibilidade aos que estão à margem da sociedade, apresenta e demonstra na prática o modelo de sociedade do Reino, a multiplicação e partilha do pão. A Sociedade de Jesus é gerida pelo colegiado dos 12, que tem como princípio: o maior seja o menor, o que serve; que uns lavem os pés dos outros.
Pude perceber que Frei Polycarpo procurou viver isto nas visitas que fazia. Provavelmente, sabia como o povo pensava, quais necessidades enfrentavam, que sofrimentos os afligiam. Percebe-se que ele não agia sozinho, mas ouvia a sua comunidade religiosa. Contou com especial ajuda de Frei Modestino, da Irmã Clemência e de tantos outros, diante dos problemas da comunidade rodeense.
Frei Polycarpo é um dos grandes marcos da nossa história, como Irmãs Catequistas Franciscanas. Podemos dizer que Frei Modestino recebeu o sopro do Espírito do carisma, Frei Polycarpo acolheu a semente, lançou-a, cuidou e regou, com a ajuda das Irmãs da Divina Providência e das Comunidades que acolheram as primeiras jovens Amábile, Maria e Liduína e as outras que vieram depois. Eles intuíram que aí estava a resposta de suas orações e do pedido das famílias às necessidades de escola e educação da fé para seus filhos. Com certeza, enfrentou muitas críticas de sua comunidade religiosa, do povo, ouviu muitas fofocas tais como: você está criando problemas com este grupo…, cuidado…, mande estas moças embora… Mas nada o desanimou porque tinha a convicção, mesmo porque, esta não era só obra sua, mas também daqueles que o estavam ajudando: Frei Modestino, Ir. Clemência, e outros, já que este era o modo de responder à necessidade comunitária.
Como Congregação, expandimos, atendendo ao clamor de comunidades, na disposição de “ir onde ninguém queria ir”. Fomos para outras regiões e países mais distantes. Imbuídas do Espírito do Mestre Jesus, sentindo-nos enviadas, procuramos nos inculturar. Aprendemos novos jeitos, valores, costumes, ampliamos nossa compreensão da vida, ganhamos novos rostos... nos enriquecemos!
Em determinado momento da caminhada, sentimos necessidade de nos reorganizamos em províncias, para melhor responder aos apelos da realidade e diante do grande grupo que éramos. Mas, hoje, a realidade congregacional nos indica a necessidade de juntar nossas forças. Decidimos, no último capítulo geral, voltarmos a ser um único grupo, sem províncias. Este, além de outros, é o desafio a ser enfrentado.
Então, a pergunta que podemos nos fazer é: Como colocar toda a riqueza e diversidade que somos hoje no mesmo cesto? Como vai ser isto? Vamos acolher estes valores à luz da vivência da origem? Frei Polycarpo e as primeiras irmãs apontam caminhos...
Estamos vivendo tempos de crise socioeconômica, ambiental, religiosa, somadas às consequências do coronavírus, que nos impôs afastamento social, leva-nos a rever nossos conceitos, valores, modo de vida, além de descortinar os anti-valores como violência generalizada, racismo, preconceitos, homofobias, violência contra a mulher, violência doméstica, egoísmo, seres humanos vistos como objeto, destruição da natureza…, tão bem camuflados, que pensávamos superados em grande parte.
Parece que estamos passando por uma tempestade. Quando se está enfrentando uma tempestade, é difícil visualizar o depois. Automaticamente o instinto nos faz buscar proteção, socorrer os indefesos e também nos faz pedir a Deus que amenize a violência tempestuosa e nos livre dos estragos. Porém, já estamos enfrentando há algum tempo as várias crises, o vírus. Já conhecemos um pouco mais suas implicâncias e consequências…, por isso, já ouso me perguntar e estender a todas nós: com favorecer o despontar de um novo modo de espiritualidade, alimentar a fé durante e pós pandemia? Como ser Irmã Catequista Franciscana hoje?
Frei Polycarpo respondeu à necessidade da educação conjugando fé, missão e educação. Qual é nossa proposta de educação integral? Que tipo de educação integral o mundo precisa hoje?
Pois é, mas que caminhos Frei Polycarpo fez despertar? Muitas perguntas me surgem, das quais expresso algumas para que, como ele, que não respondeu sozinho, mas encontrou respostas comunitariamente, também nós possamos ir construindo respostas coletivamente.
Termino esta conversa solicitando ajuda para todas em partilharmos nossas riquezas, nossas angústias, nossas luzes.
Comentários
Oxalá cada pessoa que lê o que você já investigou possa dar um passo mais, acrescentar algo mais com sua reflexão pessoal e também quem sabe sugerir, aprofundar. Valeu o "bom começo. Que o Senhor dê também o crescimento..."