Um Grito para Além
do 7 de Setembro.
Este ano, no 26º Grito dos Excluídos, o tema motivacional nos provoca e recorda o desafio básico de quem se coloca no caminho de Jesus: “Vida em Primeiro Lugar. Basta de Miséria, Preconceito e Repressão. Queremos Trabalho, Terra, Teto e Participação.
O Grito dos Excluídos surgiu após a Campanha da Fraternidade de 1994 que tratava do tema – A Fraternidade e a Exclusão”. Recordo que naquele ano, estava iniciando o processo de formação para a Vida Religiosa e participei de um encontro entre a Pastoral Operária da Diocese de Duque de Caxias e os moradores em situação de rua, atendidos no Abrigo dos Sofredores, acompanhado na época pelas Irmãs Hedwiges Rossi e Maria Hoepers. O que mais me chamou a atenção foi a fala de um senhor: “Já não basta a gente não ter nada, agora temos que ser excluídos”. Essa frase ressoa em minha memória e me questiona até hoje.
A desigualdade num mundo globalizado é a marca do nosso tempo. Desigualdade essa efetivada entre países, com a disparidade econômica, tecnológica e social, e com o aumento significativo da pauperização/pobreza extrema da maioria da população, em contraposição ao acúmulo e concentração do capital por poucas famílias e corporações.
O que é gritar como excluída e excluído diante das reformas ditas necessárias, como a trabalhista, a previdenciária, a tributária? Ou diante da constante violação dos direitos humanos? Ou frente a manipulação política/ideológica a partir do uso de novas tecnologias ligadas ao acesso ao poder político e a crescente perda de direitos e cidadania. especialmente nos países latinos americanos?
Tem-se o desafio de garantir os direitos humanos básicos; superar a mercantilização da água e dos conhecimentos e tecnologias que a humanidade produziu ao longo de sua existência; enfrentar as situações decorrentes das mudanças climáticas, das queimadas e minerações; defender os direitos das populações originárias- indígenas e quilombolas; acolher os migrantes e questionar o estabelecimento de fronteiras legais e materiais, que dificultam a mobilidade humana; rejeitar o consumismo individualista; valorizar os movimentos sociais, e quem defende os direitos humanos e ambientais; dizer não a violência contra crianças, adolescentes, jovens, mulheres, LGBTQ, indígenas, quilombolas; denunciar a violência da exploração sexual e da pornografia; fazer o enfrentamento do tráfico de pessoas e animais; a cada dia tornar nosso o grito da humanidade por Vida, Terra, Trabalho, Teto e Participação.
Muitas vezes, nos questionamos diante da realidade de Igreja e da Sociedade. A divisão que o jeito capitalista de viver, pensar e sentir apresenta-se mais forte que o jeito de Jesus e seus discípulos e discípulas? Tem sentido gritar se ninguém escuta? Será que o “grito dos excluídos” responde as necessidades pastorais do nosso tempo?
A resposta encontramos nos posicionamentos e testemunho de um homem simples, que vive e defende que a resposta está na simplicidade, que um pequeno gesto faz a diferença, que é necessária conversão porque o mundo começa dentro de nós. Papa Francisco desde o início de seu pontificado tem demostrado por gestos e palavras que devemos voltar a Alegria e Profecia do Evangelho.
No ano de 2016, o Papa Francisco instituiu o Ano da Misericórdia e nos propôs a releitura das obras de misericórdia corporais e espirituais, e ao final do ano litúrgico propôs o Dia Mundial do Pobre, para incentivar os cristãos e cristãs a uma reação diante desse sistema que descarta e inviabiliza os pobres. Propôs num primeiro momento o encontro, a escuta, a empatia e, a partir desse relacionar-se, encontrar caminhos de solidariedade, de trocas, de aprendizado mútuo.
No ano de 2019, no final do Sínodo para a Amazônia, tendo presente o livro do Eclesiástico, incentivou-nos para que pedíssemos a graça de ouvir o grito dos pobres e, assumir nós mesmas o seu grito. De maneira que unindo-nos aos pobres do mundo esse lamento, esse grito chegue aos céus.
Deus escuta o lamento dos pobres. Isso o comprovamos nas muitas histórias bíblicas e da vida. Como testemunha o livro do Êxodo, Deus ouve o clamor, vê o sofrimento e envia pessoas e grupos para caminhar juntos com o povo sofrido, ajudar na formação de uma consciência do coletivo, reconstruir pessoas e sonhos.
O DESAFIO é ouvirmos o chamado de Deus e nos comprometermos como os profetas. Viver uma vida doada na sobriedade, na irmandade, na alegria da comunhão de um destino. Um grande grito deve ecoar a partir da nossa vida, da nossa organização religiosa, nos espaços em que temos acesso, muito além das caminhadas de 7 de setembro.
O DESAFIO é a busca constante por reler os acontecimentos a luz dos ensinamentos de Jesus, dos direitos humanos, enfrentando as desigualdades, as vulnerabilidades, tendo a consciência de que um Estado presente, com espaços de controle efetivo, são base para uma vida digna.
Nosso GRITO precisa se juntar aos gritos dos movimentos em defesa do SUS e da Educação Pública neste tempo de pandemia e pós pandemia, aos que buscam dignidade no trabalho e propõem uma Renda Mínima como base de segurança e cuidado com as famílias.
Nosso GRITO deve despertar o sonho de um mundo melhor em quem o escuta; consciência de tudo o que já produzimos como humanidade; desejo de viver na irmandade como Francisco e Clara de Assis; de sermos um país e uma humanidade livre, sem fome, sem miséria, sem medo da violência ou de não ter o atendimento de saúde adequado, sem consumismo desenfreado, sem pessoas descartáveis, sem mortes por negligência ou maldade.
Nosso GRITO alimenta o sonho de um Novo Céu e Nova Terra, como o profeta Isaías e como tantos profetas que em meio à crise e desespero, se posicionam com o senso crítico, denunciam, mas também anunciam a Esperança de Deus para todos, recuperando a relação com Deus, com os demais e com a Terra.
Quem quiser conhecer mais sobre o “Grito dos Excluídos” pode acessar a página www.gritodosexcluidos.com, que apresenta a história dos gritos e reflexões pertinentes.