Foi ali que, outrora, na noite escura que não podia mais esperar, um ‘Deus perseguido e deslocado’ nasceu!
O encontro de partilha sobre a presença da Congregação em situações de fronteiras e periferias aconteceu no dia 24 de setembro último. Esta conversa realizada de forma virtual faz parte do Processo de Reorganização da Congregação e, mais concretamente, do ‘processo de escuta’ dos diferentes contextos onde estamos inseridas.
Neste segundo encontro congregacional, fomos convidadas a contemplar nosso caminhar e o chão sagrado dos pobres, iluminadas pela experiência de Amábile, Maria e Liduína quando, por primeiro, ouviram o clamor dos pobres e se colocaram a caminho.
Inicialmente, a Professora Márcia Maria de Oliveira (RR) aprofundou a questão das periferias e fronteiras como lugar da revelação e do desafio missionário. A reflexão foi feita à luz da Laudato Si, da Exortação Apostólica "Querida Amazônia" e dos gritos da Amazônia que, a partir da criação e dos gritos dos pobres, nos convoca a repensar a Igreja, a sociedade e, nelas, nossa missão e diaconia.
Em seguida, aconteceu a partilha de três experiências de missão realizadas em situação de fronteiras e periferias. Irmã Ivonete Gardini partilhou sua experiência como psicóloga, vivida com moradores de rua, na Praça da Sé/SP, junto ao Serviço de Solidariedade Franciscana, no espaço de acolhida e convivência.
Irmã Zélia Maria Batista partilhou a vivência com os povos indígenas em Marabá, no Estado do Pará, e Educação da Fé com grupos da comunidade local. Numa travessia maior, transpomos o Atlântico, ouvindo a experiência das Irmãs da Fraternidade de Belo Monte, contada por Irmã Veronique Lukini Dwatime. Belo Monte, na periferia de Luanda, conta com 150 mil habitantes, vivendo uma realidade de carência e pobreza e há somente uma escola pública!
Em todos os espaços onde se realizam as experiências, as Irmãs, no passo de cada dia, são uma presença gratuita, que acolhe, escuta amorosamente as pessoas, presença que ama, educa e que propõe alternativas. Junto com o povo, as Irmãs celebram a esperança e despertam para a luta por direitos e para o cuidado da vida. Vivendo junto dos pobres e sentindo os problemas cruciais, são “Irmãs do povo”.
Quais sentimentos a partilha das vivências acendeu em nós? Sentimentos de alegria, saudades de experiências que vivemos e que ainda nos entusiasmam? Sentimos coragem para seguir em frente e construir outros mapas?
Certamente, foi uma experiência de intensa comunhão congregacional, motivada e articulada em torno do mesmo ideal de vida que abraçamos há poucos, ou há muitos anos! Reconhecemos nelas a seiva do carisma que se estende e faz germinar a vida, a esperança?
Constatamos que os espaços em que se realizam as experiências compartilhadas apresentam aspectos comuns. São experiências povoadas pela diversidade: por outros rostos e vozes integrantes do antigo e do novo diálogo cultural, social e da fé. Elas nos levam para junto daqueles grupos ou aquela porção da humanidade que não conhece outra luta além daquela da sobrevivência. Nesses lugares, se vive uma fé contextual que acontece no ritmo simples e pobre da sucessão infinda dos dias. As experiências nos remetem a um mundo bem concreto que mexe com a pele, com a dor dos corpos, com o cotidiano do abandono, mas onde a diversidade do Amor Maior se expressa e é sempre capaz de estar.
As experiências vivenciadas nas periferias e fronteiras, espaços monótonos, outras vezes conflituosos, vêm misturadas com tantas surpresas e detalhes preciosos. Percebemos que ali Deus não se revela como onipotente e todo poderoso, mas Deus pequenino, encarnado e frágil; um Deus da paixão e da ressurreição. Ressurreição como respiração e possibilidade de cada dia, embora calada, às vezes.
As experiências em periferias e fronteiras sugerem um estilo de vida simples e o cuidado das múltiplas dimensões da vida, ao mesmo tempo em que podem nos purificar da ânsia de atender a todos e a todas, estando em muitos lugares.
A reflexão da fé e o carisma precisam avaliar-se e dialogar continuamente com esses cenários e interlocutores, pois seus rostos nos obrigam a recordar as antigas e atuais injustiças... Como fazer para recolher no cesto da missão os fios de vida ‘para que nada se perca’ e todos possam se saciar à mesa ou debaixo dela?
Oh! Belo Monte, tão populoso, para ti é que sobem tantos povos! Oh! Amazônia, mãe de tantos sonhos de vida e sustentabilidade! Oh! periferia, que acolhe tantos migrantes deslocados! Foi ali que, outrora, na noite escura que não podia mais esperar, um ‘Deus perseguido e deslocado’ nasceu!
Para nós, a Amazônia, as periferias e fronteiras são espelhos onde vemos refletido, agora, em outro tempo - mas com a mesma convicção - o amor primeiro de nossa vida! Hoje, periferias e fronteiras podem nos levar à beira do poço, em tantos lugares, para um colóquio amoroso de fidelidade e de renovada entrega da vida ao Reino.
Acreditamos que durante a narrativa feita por nossas Irmãs com tanta cordialidade, o Espírito tenha suscitado este deslocamento dentro de nós, o movimento de um chamado-resposta, de uma Aliança que não enfraquece, mas que persiste, insiste e nos atrai pelos anos afora!
Por isso, seja qual for o momento e a situação de nossa vida, todas temos dentro de nós um pouco do Belo Monte, um pouco dos sonhos da Amazônia e dos anseios dos povos que peregrinam nas ruas sem número e navegam por tantos rios acima... Vamos misturar nossos desafios e nossas possibilidades?
“Se minha casa pegasse fogo, eu salvaria essa chama!”, declara o sábio!