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25 Julho 2021
Dia do Agricultor e Agricultora. Dia de festa?

 

“Se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão”

Dia 25 de julho, dia do agricultor e agricultora. Dia de festa? Sim! Dia de celebrar e agradecer a Deus pelo dom da vida. Vida que se renova e se desafia dia após dia. Resistir é a palavra correta para descrever o cotidiano das comunidades. A violência não dá trégua, mesmo durante a pandemia.

No ano de 2020, foram registrados 1.608 “Conflitos por Terra” no Brasil, envolvendo 171.968 famílias. Destes conflitos, 62,5% ocorreram na Amazônia Legal (1.001), considerando todos os estados da região Norte, além de parte do estado do Maranhão e todo o estado do Mato Grosso. A região Amazônica corresponde por 61% do total de famílias em Conflitos por terra (104.428). Foram registrados 18 assassinatos em conflitos no campo no Brasil. Número menor do que no ano anterior, quando 32 assassinatos foram registrados. Os assassinatos na Amazônia Legal correspondem a 83% do total (15). Foram 35 tentativas de assassinatos registradas no Brasil em 2020, 46% delas na Amazônia Legal. Das 09 mortes em consequência em 2020, 08 foram no território amazônico. Boa parte das demais violências também concentra-se na Amazônia Legal: 102 do total de 159 ameaças de morte; 06 das 09 pessoas torturadas; 50 das 69 pessoas presas e 39 das 54 pessoas agredidas.

Em 2020, a Comissão Pastoral da Terra passou a registrar pessoas que sofreram criminalização. Em todo o Brasil, 83 pessoas foram criminalizadas no contexto de conflitos no campo. Destas, 65 são da Amazônia. Isso corresponde a 78% do total.

No estado do Acre a violência não é diferente e vamos usar desse meio de comunicação para tornar público algumas situações de violência, tortura e descaso, tudo explicito e a impunidade continua imperando.

Seringal São Bernardo, violência, tortura e descaso

Localizado na zona rural de Rio Branco, capital do Acre, o Seringal São Bernardo é marcado pela violência e tortura. Área rica em produtos da Floresta Amazônica, como castanha e muitas seringueiras. O território abriga mais de 30 famílias que buscam reconhecimento da posse, vez que estão na área há mais de quatro décadas. O conflito no local se acirra pelo menos desde 2003, quando o fazendeiro Mozart Marcondes Filho teria iniciado uma série de investidas contra os seringueiros e às seringueiras. A comunidade tem como atividades econômicas a coleta de castanha-do-Brasil e a extração de seringa, ambas realizadas de modo extrativista. Coletam sementes de andiroba, açaí e praticam o bem viver.

O substantivo feminino “seringueiras” não é apenas uma forma de incluir a agência feminina na comunidade seringueira. Por vezes, são elas os principais alvos de violência no Seringal São Bernardo. Os relatos dão conta de intimidações feitas a mando do fazendeiro, por capatazes e policiais.

Um dos inúmeros casos de violência se inicia em 2019 e segue até os dias de hoje, como conta Cosma da Conceição Bezerra, 45 anos, nascida no seringal. Policiais subtraíram da comunidade 175 latas de castanhas, conforme relato de Cosma, o processo de coleta da comunidade é todo artesanal e feito sem auxílio de máquinas ou animais, dentro da mata fechada. Após as castanhas caírem naturalmente, elas são juntadas e retiradas do ouriço que as recobrem. As latas são, então, transportadas nas costas.

Neste caso em específico, as castanhas foram subtraídas por policiais civis e em seguida levadas à delegacia local, onde foram apontadas como pertencentes ao fazendeiro. Cada lata de castanha seria vendida pela comunidade a 70 reais, em média. O lucro seria dividido por todos da família de Cosma e já tinha um destino urgente, auxiliar no tratamento de um familiar acidentado.

 

“As tragédias que o fazendeiro faz pra derrotar os moradores”

As situações de violência não são exclusivas à tentativa de inviabilizar a atividade econômica no seringal. Segundo conta Antônio Pereira dos Santos, conhecido como sulino, 58 anos, as ofensivas também atingem as crianças. De acordo com o relato, os professores locais são intimidados pelo fazendeiro enquanto lecionam. Tal ação provoca a saída de diversos profissionais da educação e prejudica o aprendizado infantil no São Bernardo.

Outra estratégia apontada para enfraquecer a comunidade, é a destruição das moradias enquanto as famílias cuidam da roça ou praticam o extrativismo. Após a derrubada das casas por ordem do fazendeiro, as famílias são forçadas a montarem barracas de lona, como abrigo. Em seguida, são feitas denúncias de que as famílias sob a lona são invasoras.

Há ainda diversas outras situações de violências descritas pela comunidade. Seu Sulino conta que certa vez foi alertado por um vizinho que haviam cortado parcialmente árvores no caminho que leva à escola, com o intuito de bloquear o trajeto das crianças, ou mesmo que estas fossem atingidas por troncos enfraquecidos pelos lanhos, feitos nas árvores, junto à ação do vento e da chuva.

 

Tortura

Um dos casos mais emblemáticos ocorridos no São Bernardo foram dois episódios de tortura que quase vitimaram fatalmente os seringueiros Francivaldo Santos, 26 anos, e Maurir de Souza, 25 anos.

No dia 5 de agosto de 2019, policiais fardados chegaram à casa dos dois, enquanto estes cuidavam da roça. Após realizarem buscas na moradia de Maurir e Francivaldo, os quatro policiais começaram agressões físicas contra os dois. Fazendo uso de um terçado, tipo de facão utilizado na limpeza da roça, os seringueiros foram golpeados diversas vezes. Depois de utilizarem o instrumento, os policiais apontaram uma pistola para Francivaldo e ameaçaram atirar, entretanto, um capataz apareceu no local e os policiais, segundo o relato das vítimas, decidiram parar a tortura, uma vez que a ação seria testemunhada.

Exames de corpo de delito comprovaram posteriormente as agressões. Levados à delegacia, as vítimas, Maurir e Francivaldo, foram acusadas formalmente de esbulho possessório, por parte do fazendeiro. No dia 02 de outubro, o processo contra os dois foi arquivado.

“A próxima é tu, Valéria. É tu e a Damiana. Eles vão lá na quarta-feira e eles vão fazer pior [que fizeram com Maurir e Francivaldo]”.

A ação policial levou medo à comunidade e as ameaças não cessaram, como conta Antônia Valéria do Nascimento, 38 anos. A fala acima foi proferida por um dos capatazes à própria Valéria. “A gente vive todo o tempo sob ameaça”. Segundo ela, os seringueiros e as seringueiras sofrem acusações de roubo de castanhas e invasão da terra em disputa.

“Desde a carteira de pré-natal, até a carteira de vacina, comprovam que eu estou aqui na zona rural, então como é que eles vêm ameaçar e dizer que nós somos ladrões, que nós somos invasor, se nós somos verdadeiramente filhos da terra? Mas nós não vamos nos calar (...), enquanto nós tivermos vida, nós estamos lutando”.

 

Situação atual do conflito

A disputa pela terra continua no campo judicial. Em 07 de outubro de 2020, a Juíza Olívia Maria Alves Ribeiro indeferiu pedido de reintegração/ manutenção de Posse solicitado pelo fazendeiro. Mais um passo no reconhecimento da terra dos seringueiros.

Na decisão que indeferiu a reintegração, a juíza descreveu o processo como “conturbado”. Este é o segundo pedido de reintegração solicitado pelo fazendeiro que é indeferido.

Em seguida, a juíza solicitou a todos os seringueiros (06) realizassem a contestação, e ao senhor Mozar solicitou um mapa informando onde está localizada o território de cada família. Posteriormente, começaram as audiências. Na primeira audiência foram ouvidas as famílias e depois, o Sr. Mozar. São inúmeros processos e audiências que a comunidade do seringal está envolvida, o que toma muito tempo das famílias em viagens para Rio Branco, alguns deixando suas esposas e seus filhos sozinhos à mercê da violência que impera no seringal.

Está marcado para o dia 23 de agosto a oitava audiência das testemunhas, tanto das famílias, quanto do fazendeiro. As situações de conflitos são acompanhadas pela CPT Regional Acre, e não cessam mesmo com as denúncias feitas pela comunidade.

Informações adicionais

  • Fonte da Notícia: Comissão Pastoral da Terra – Regional Acre