“Com efeito, vós todos sois filhos de Deus pela fé no Cristo Jesus. Vós todos que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo.
Não há mais judeu ou grego, escravo ou livre, homem ou mulher, pois todos vós sois um só, em Cristo Jesus”.
A carta de São Paulo aos Gálatas é o tema escolhido pela Igreja do Brasil para o mês da Bíblia deste ano, este que surgiu há exatos 50 anos. E como lema deste mês da Bíblia se destaca uma parte do versículo que integra o hino batismal em Gálatas: “Pois todos vós sois um só em Cristo” (3,28d). E é precisamente este que expressa, na essência, todo o conteúdo que os seis capítulos dessa Carta apresentam.
A Carta aos Gálatas foi escrita em Éfeso, durante a terceira viagem missionária de Paulo. Contudo, trata-se mais de um tratado teológico – aprimorado depois na Carta aos Romanos - do que propriamente uma carta. Ela é escrita em tom firme e enérgico, mas ao mesmo tempo de emoção. As comunidades cristãs da Galácia foram formadas por Paulo e sua equipe e, por elas, o apóstolo tinha grande afeto e consideração.
Paulo recebeu notícias de que havia conflitos nessas comunidades, possibilitando ao sectarismo, à divisão, ao desrespeito às culturas gentias (estrangeiras/pagãs) e à libertinagem. Estes conflitos (exceto a libertinagem) foram gerados pela presença de Judaizantes[1] que, também, espalhavam difamações à pessoa de Paulo, acusando-o de estar, com a sua equipe missionária, anunciando um Evangelho controverso. Já quanto à libertinagem, o problema foi causado por um grupo liberal de cristãos gentios que radicalizou a liberdade. Este grupo ávido na busca de bens, poder e prazer aumentou o conflito interno, pois relativizou a Lei e exagerou na liberdade cristã de tal forma que desrespeitava qualquer mandamento e criou uma crise ética (cf. Gl 5,13-26).
As comunidades cristãs da Galácia eram predominantemente constituídas por cristãos gentios que não haviam passado pelo judaísmo. Os judaizantes exigiam que esses cristãos fossem circuncidados e observassem as obras da Lei. Conforme Gl 6,13, os judaizantes não estavam preocupados com a Lei do Decálogo, mas com o cumprimento de leis rituais (na verdade ritualismo). Portanto, não comprometidos com práticas relacionadas ao amor a Deus e vida dos irmãos/irmãs (cf. Gl 5,14), e sim relacionadas a ritos (circuncisão, jejum, pureza legal, comidas). Distorciam, assim, o Evangelho que é o próprio Jesus Cristo.
Paulo reforça, à essas comunidades cristãs, de que o que justifica é a fé em Jesus Cristo e não as obras da Lei, conforme os judaizantes pregavam. É Deus que justifica, isto é, torna justo e declara justo “o ser humano para que ele transforme este mundo injusto que o desumaniza” [2]. Assim sendo, a justificação pela fé é uma Boa Nova para os gentios, escravos e mulheres (Gl 3,28).
O Evangelho ou Boa Nova para Paulo é o próprio Jesus de Nazaré (Gl 1,3-5). A adesão à pessoa de Jesus é que transforma o ser humano e o leva a comprometer-se com a vida. É importante lembrar que a população da Galácia era constituída por muitos escravos. E muitos desses escravos gentios haviam sido batizados e formavam as comunidades cristãs. Tendo presente esse contexto é que Paulo escreve a carta salientando e sintetizando no Hino Batismal (Gl 3,26-28) a igualdade, a liberdade e a unidade entre todos: “Com efeito, vós todos sois filhos de Deus pela fé no Cristo Jesus. Vós todos que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo. Não há mais judeu ou grego[3], escravo ou livre, homem ou mulher, pois todos vós sois um só, em Cristo Jesus”. Estes se tornam protagonistas. Explicitando melhor: Paulo enfatiza que, através do Batismo, os sem vez (desigualdade raciais: étnica e religiosa), sem voz (desigualdades sociais) e sem espaço (desigualdades de gênero) passam a tê-los, pois revestidos de Cristo não deve jamais haver desigualdade, discriminações e exclusões por parte do cristão. Todos somos UM só, em Cristo. Portanto, iguais e livres em Cristo Jesus.
E este hino é o centro da carta aos Gálatas. Com isto Paulo defende três perspectivas que a vivência do Evangelho de Jesus Cristo abre: abertura étnica e religiosa, abertura social e abertura a mulheres e homens.
Enfim, Paulo em sua carta aos Gálatas - e a nós hoje - chama a todos à comunhão. Paulo pregou a unidade entre as pessoas sem as barreiras raciais, sociais e de gênero. A Carta aos Gálatas nos indica a viver como Jesus viveu: na liberdade, na justiça e no amor-serviço, criando irmandade, paz, esperança. “É para a liberdade –concreta e histórica - que Cristo nos libertou. Ficai firmes e não vos deixeis de novo amarrar ao jugo da escravidão” (Gl 5,1).
[1] Judaizantes são judeus que se converteram ao cristianismo, mas permaneciam arraigados e obedientes à Lei, especialmente à circuncisão que, segundo eles, deveria ser exigida também dos cristãos gentios (estrangeiros) e à Lei do Puro e Impuro. Judaizantes não é sinônimo de judeus (povo) e nem de Judaísmo (religião). Vinham de Jerusalém, principal reduto de judaizantes, e passavam nas comunidades fundadas e/ou animadas por Paulo e sua equipe missionária, gerando discórdias em torno do Evangelho que tinha sido anunciado. Pregavam e afirmavam que é pela observância da Lei que acontece a justificação.[2] Texto base do mês da Bíblia 2021: Carta aos Gálatas, p. 18. [3] Grego, aqui, refere-se aos gentios espalhados pelo Império Romano e pela civilização grega.