Assumir as raízes, pois das raízes provém a força que os fará crescer, florescer e frutificar.”
(Querida Amazônia, Papa Francisco)
Nos dias 28 a 04 de março de 2022, no Recanto Terra Mãe, em Fátima de São Lourenço–MT, as postulantes e algumas irmãs se reuniram para mais uma semana de formação, orientada pelo Dr. Pe. Justino Sarmento Rezende, salesiano, indígena da etnia Tuyuka, com o tema “Interculturalidade”.
O assessor falou baseado em escritos da história de sua vida de indígena e padre, dentro de sua cosmovisão Tuyuka. Os dez temas abordados proporcionaram-nos um profundo mergulho em nossas realidades culturais – “minha e das outras”. Iniciamos com a pergunta “quem somos nós e quem são os outros”? Como o pensar e o falar são importantes, pois fazem parte da dinâmica de nossas vidas! Ele nos relatou a história da origem dos seus ancestrais vindos como Filhos-da-Cobra-de-Pedra (Utãpinopona); falou-nos da sua cultura, ritos cerimoniais, costumes, língua materna, lugares sagrados e crenças; falou-nos do relacionamento do seu grupo com outras etnias.
Baseadas em suas colocações relembramos nossas raízes, nossas culturas, a forma como fomos educadas ao longo do tempo, constituindo assim nossa identidade étnica, quer a neguemos ou aceitemos. Percebemos nossas mudanças e transformações, e como a dinâmica da vida vai nos renovando continuamente, mesmo que haja forças contrárias.
Vimos como são importantes as relações, e que tudo está interligado desde o ventre materno. Todos temos uma relação mútua conosco mesmas, com o/a outro/a e com todo o universo material ao imaterial. As simbologias, as divindades cósmicas e o benzimento na própria cultura indígena tem um significado forte e importante, de respeito e valorização, pois continuam a mover a vida com sua força espiritual, proporcionando-nos fazer a experiência da vida de Deus em tudo e em todos.
Dentro da perspectiva cultural, antigamente, os não- índios evangelizavam e educavam os indígenas do seu modo, de acordo com a forma de evangelizar daquela época. Assim também aconteceu com os nossos irmãos negros. A visão daquela época era diferente; na maior parte preconceituosa, e infelizmente continua a circular na atualidade. O preconceito camuflado faz com que, muitas vezes o indígena e o negro sejam tratados com indiferença, como se fossem inferiores e estranhos.
Diante disso, vimos como é importante aceitar-se e acolher-se mutuamente para adentrar no mistério do/a outro/a, sem invadir sua cultura, seus costumes, ritos e crenças, mas pelo contrário respeitando e ouvindo com o coração, para entender a mensagem que nos está sendo passada. Agindo assim nos enriquecemos mutuamente com a originalidade cultural de cada pessoa. Se não houver essa relação de respeito, de integração, poderemos ser boas profissionais, mas péssimas como pessoas.
Na realidade atual alguns limites na vivência da interculturalidade, aos poucos vão sendo superados. Mas se a situação continuar assim, quem deve mudar seremos nós. Pela nossa autoconsciência e valorização precisamos assumir um processo transformador. Mas para isso acontecer é preciso “indignar-se” com a realidade, como pede também o Papa Francisco.
Nem sempre essa relação intercultural é pacífica; às vezes pode ser conflituosa, porque não encontramos o/a irmão/ã do jeito que queremos. No entanto, se não nos esforçarmos, não transformaremos os preconceitos em valorização e acolhida mutuas, por isso é necessário criar autoconfiança e confiar nos outros; auto afirmar-se e se abrir para aprender e permitir que o/a outro/a nos ensine.
A sabedoria entra pelo olhar, pelo sentir, pelas lágrimas, pelos sorrisos de esperança, pela seriedade com que encaramos a vivência da cultura de cada povo. Uma coisa é saber, outra coisa é vivenciar na realidade; ultrapassar o saber racional, passando-o para o sentir emocional. É importante sempre criar pontes, mesmo sabendo que elas não são feitas de um dia para o outro, mas que vão se construindo desde a base, começando pelo respeito às diferenças, como diz o lema “insista, persista, e não desista”.
Em todo momento é preciso refletir e questionar a “civilização”, as situações de indiferença e desvalorização que acontecem no dia a dia. Por outro lado, não devemos idealizar a interculturalidade, pois ela também tem seus limites, e cada povo tem seu ritmo de vida.
É importante observarmos sempre a realidade para obtermos resultado, pois se há falta de qualidade de vida humana, há falta de qualidade de vida missionária ou em qualquer campo profissional. Não basta ser cristão para ser um bom ser humano.
É importante também que aproveitemos dos meios tecnológicos que nos são proporcionados atualmente, e descobrir como melhor aproveitá-los para uma evangelização interculturada, pois nossos interlocutores estão muito evoluídos nessas tecnologias.
E para finalizar, destacamos o quanto é essencial voltarmo-nos para dentro de nós e analisar se estamos vivenciando nossas práticas culturais em nosso modo de ser; se assumimos a nossa identidade, a nossa história, ou se precisamos estar em busca de nossas raízes. O importante é dar passos, despertar, acolher, aceitar e valorizar nossa história sem camuflar o que somos; voltar sempre às nossas origens, buscando aprender com nossos avós e pais; continuar transmitindo os valores que herdamos de nossa cultura, seja oralmente, ou através da escrita, dos meios de comunicação social e através de nossa convivência, para que não os percamos, mantendo nossas relações interculturais.