As agriculturas indígena, quilombola e camponesa atualmente representam uma alternativa à crise mundial capitalista que a pandemia da Covid 19 escancarou e aprofundou. A crise é o mesmo modo corporativista de produção e distribuição de alimentos cujo único objetivo é a acumulação de riqueza de forma cada vez mais rápida e destrutiva. Controlado por um punhado de empresas monopólicas do agronegócio e de grandes redes de supermercados, este modo capitalista de produzir e distribuir alimentos está na raiz da crise alimentaria e dos agudos problemas sociais que o Brasil e o mundo enfrentam. Desmatamento e destruição dos ecossistemas, monocultivo a grande escala com uso de agrotóxicos, estão de mãos dadas com o surgimento de novas cepas virais e o acirramento da fome e da violência, sobretudo contra as mulheres.
O Brasil está entre os maiores produtores de grãos do mundo, mas o agronegócio produz mercadorias para exportação e não alimentos para cobrir as necessidades alimentares de trabalhadores. Esta é a estrutura da fome que junto com o desemprego e a inflação, faz com que 125,2 milhões de pessoas no Brasil passem por algum grau de insuficiência alimentar: desde os que garantem a comida no dia a dia, até os que não tem perspectiva nenhuma de comer e passam fome[1].
A contraposição ao padrão destrutivo do agronegócio acontece diariamente nos territórios conquistados com muita luta pelos povos do campo. Indígenas, quilombolas e camponeses, sobretudo mulheres, exercem práticas agrícolas fundamentadas em uma perspectiva orientada pela necessidade de reproduzir a vida. A sua lógica, que vai além da mera obtenção de dinheiro, está pautada no respeito aos ciclos da natureza, cujos ritmos são acompanhados a partir de uma concepção agroecológica que envolve também a reciprocidade entre homens e mulheres.
A agroecologia, portanto, não se reduz a um conjunto de técnicas e práticas de manejo agrícola. Ela é também uma práxis consciente que visa a ecologia da vida social: o fim da exploração do trabalho e do patriarcado. Nela se mesclam procedimentos recolhidos das tradições ancestrais com novas técnicas advindas da ciência que rejeitam o uso de venenos, estimulam a diversidade de cultivos e recuperam solos, florestas, rios e nascentes de água. Todos estes elementos necessários à produção e reprodução das condições que permitem a obtenção de alimentos saudáveis e variados, sendo a prioridade a sustentação das comunidades e não o mercado dominado pelo capital.
A pandemia de Covid-19 descortinou a necessidade de colocar em primeiro lugar a sobrevivência. Em um momento de crise em que o Estado e o capital deixam intencionalmente as pessoas à sua própria sorte, a manutenção da vida se torna prioridade e uma alimentação saudável fundamental para enfrentar as doenças. A chave do mundo novo a construir já acontece nos territórios dos povos do campo. Indígenas, quilombolas e camponesas indicam o caminho de um modo de vida cujas bases materiais se encontram na agricultura de pequena escala com circuitos de distribuição local, aproveitamento da diversidade de frutos e plantas nativas e práticas equilibradas que requerem um sociometabolismo de reciprocidade dos seres humanos entre si e com a natureza.
[1] https://www.brasildefato.com.br/2022/06/08/fome-se-alastra-no-brasil-6-em-cada-10-familias-nao-tem-acesso-pleno-a-comida