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11 Outubro 2022
Aparecida: Mãe Negra que Deus deu ao Brasil

 

Aparecida quer nos ensinar que ela continua sendo Mãe Negra da acolhida, da abundância e da fartura daqueles e daquelas que não tem medo de lançar as redes, mesmo em “noites escuras”.

A festa de Nossa Senhora Aparecida me emociona profundamente, principalmente quando penso no contexto em que a imagem, de cor negra, da Virgem Maria, foi pescada por aqueles três homens pobres, no século XVIII, na região de Guaratinguetá, no estado de São Paulo. É necessário não esquecer que o Brasil, naquele período, escravizava milhares de pessoas negras trazidas do continente Africano. Depois das águas, é na casa dos pobres que ela foi morar - seu primeiro santuário - e se tornou a riqueza mais significativa daquelas famílias. Não há como negar que ela “aparece” como a mãe negra dos negros e negras, dos pobres, dos indígenas, dos sofredores e de todos aqueles e aquelas que, no Brasil, naquele momento, sofriam as injustiças impostas pelo domínio da Coroa de Portugal.

Nossa Senhora escura vem nos lembrar que Deus não quer ninguém escravizado; que Ele não quer e nem admite racismo, discriminação e exploração do ser humano pelo ser humano. Aparecida é um grito de Deus contra toda opressão e exploração da pessoa humana. Aparecida é Deus gritando liberdade. Aparecida é uma versão atual, brasileira e necessária do Magnificat entoado por Maria e registrado no Evangelho pela comunidade de Lucas.

Aparecida nos ensina que não é a cor que nos faz ser merecedores e merecedoras do seu amor e devoção. E que não podemos, em nome de cor, inferiorizar, desprezar, invisibilizar e desqualificar nenhuma das criaturas. Nos ensina a olhar para ela e perceber que continua negra e essa é a sua beleza, a sua mística. É através de sua negritude que acolhe a todos e todas porque a luz do seu Deus, da Divina Sabedoria, encerra todas as cores.

Aparecida quer nos ensinar que ela continua sendo Mãe Negra da acolhida, da abundância e da fartura daqueles e daquelas que não tem medo de lançar as redes, mesmo em “noites escuras”, aquela que convida a comtemplar o mistério no qual ela está emergida e foi encontrada. Seu próprio corpo, ao ser “achado” nas águas do rio, nos diz sobre inteireza, unidade, sinodalidade, fartura. Primeiro o corpo, depois a cabeça e, finalmente, juntos um ao outro, tudo se torna diferente, iluminado. Houve espaço para a festa, para a esperança, para o sonho. Precisamos aprender a juntar corpo e cabeça. Não basta ter corpo se não tem cabeça. Viver, refletir e agir de maneira integral no chão da vida. Diz o ditado popular que “quando a cabeça não pensa o corpo padece.”

Aparecida é um chamado para uma maior proximidade com Deus, deixando a Divina Ruah nos abraçar e derramar sobre nós os seus dons.

Aparecida é a certeza que Deus nunca nos desampara. Ele cuida dos seus “qual mãe cuida dos filhos” e envia sobre todos sua imensa misericórdia e compaixão.

Na mensagem pelos 300 anos do encontro da imagem em 2017, o Papa Francisco afirmou que “em Aparecida, aprendemos a conservar a esperança, a deixar-nos surpreender por Deus e a viver na alegria. Esperança, querido povo brasileiro, é a virtude que deve permear os corações dos que creem, sobretudo, quando ao nosso redor as situações de desespero parecem querer nos desanimar”.

A oração poema de Dom Helder Câmara, rezada ao final da missa dos Quilombos é outra bela referência que deve ressoar hoje em nossos dias como um grito de profecia pela paz e pela luta pacificadora:

“Mariama, Nossa Senhora, Mãe de Cristo e Mãe dos homens!
Mariama, Mãe dos homens de todas as raças,
De todas as cores, de todos os cantos da Terra.
Pede ao teu Filho que esta festa não termine aqui.
A marcha final vai ser linda de viver.
Mas é importante, Mariama, que a Igreja de teu Filho não fique em palavra, não fique em aplauso.
O importante é que a CNBB, a Conferência dos Bispos, embarque de cheio na causa dos negros, como entrou de cheio na Pastoral da Terra e na Pastoral dos Índios.
 
Não basta pedir perdão pelos erros de ontem.
É preciso acertar o passo hoje, sem ligar ao que disserem.
Claro que dirão, Mariama, que é política, que é subversão, que é comunismo.
É Evangelho de Cristo, Mariama.
 
Mariama, Mãe querida!
Problema de negro acaba se ligando com todos os grandes problemas humanos,
com todos os absurdos contra a humanidade, com todas as injustiças e opressões.
Mariama, que se acabe, mas se acabe mesmo a maldita fabricação de armas:
o mundo precisa fabricar é Paz!
 
Basta de injustiça:
de uns sem saber o que fazer com tanta terra e milhões sem um palmo de terra onde morar.
Basta de uns tendo de vomitar pra poder comer mais
e 50 milhões morrendo de fome num ano só.
Basta de uns com empresas se derramando pelo mundo todo
e milhões sem um canto onde ganhar o pão de cada dia.
 
Mariama, Nossa Senhora,
Mãe querida, nem precisa ir tão longe, como no teu hino:
nem precisa que os ricos saiam de mãos vazias e os pobres de mãos cheias.
Nem pobre, nem rico!
Nada de escravo de hoje ser senhor de escravos amanhã:
basta de escravos!
Um mundo sem senhor e sem escravos,
Um mundo de irmãos!
De irmãos não só de nome e de mentira.
De irmãos de verdade, Mariama!”

O jeito como o profeta da paz descreve Maria é puro carinho, amabilidade, delicadeza. Nos alegremos com Dom Helder, mensageiro da paz, que coloca Maria com os pés na vida do povo sofrido, dos pobres, especialmente das populações mais excluída da sociedade. “Mariama” olha para toda pessoa humana, para a natureza, para a irmandade universal, ela está no meio de todas as criaturas independente de religião.

Olhemos para Nossa Senhora da Conceição Aparecida nesse momento instigante da História do Brasil e supliquemos a ela que interceda por nós junto a seu Filho Jesus. Que ela, que é mãe de todo brasileiro e brasileira, ilumine os caminhos, abra as consciências, nos inspire com sua sabedoria e, pela intercessão do seu amor maternal, derrame suas bênçãos e nos possibilite viver dias de paz e harmonia, acreditando que dias melhores virão e nossa casa comum será um lugar gostosamente bom de viver para todos.

Festejemos com imensa alegria o seu dia e deixemos que ela viva em nosso ser, como afirma o Papa Francisco: “Que cada um de vocês a encontre em seu coração, assim como os pescadores a encontraram no rio. Busquem nas águas de seus corações e a encontrarão, porque Ela é mãe.

Que teu amor nos acompanhe e tua santidade ilumine nossos corações, Mãe querida!

Amém! Axé!

Informações adicionais

  • Fonte da Notícia: Irmã Luciene Oliveira de Macedo