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27 Março 2024
Quinta-feira da Semana Santa - Lava pés

 

 

Lava-Pés: Gesto ousado que alimenta a Amizade Social

 

O gesto do “lava-pés” nos revela que, para viver a amizade social, é preciso “ter o coração nas mãos”. Mãos servidoras, carregadas de ternura e cuidado, que se esvaziam de toda pretensão de poder e vaidade.

Nos Evangelhos, Jesus Cristo é o pobre e o servidor por excelência, Aquele que, a partir de sua condição divina, se encarna, se esvazia e assume o lugar dos últimos. O seguimento de Jesus pobre é a única via de acesso ao mistério glorioso do amor de Deus.

Jesus não realiza um gesto de cuidado à distância, mas ele mesmo põe mãos à obra, interessando-se pessoalmente por cada um, sem fazer distinção.

O relato de João parece desacelerar, detém-se a descrever lentamente cada um dos gestos de Jesus: são particularmente dignos de nota os numerosos termos utilizados: “levantou-se, tirou o manto, pegou uma toalha, derramou água numa bacia, lavou os pés dos discípulos, enxugava-os com a toalha”.

Há, em todos estes gestos, uma “com-participação”, uma atenção pessoal que exprime a autenticidade da ternura evangélica. Jesus realiza gestos concretos e o faz com ternura transbordante, até o excesso; ele vai além do simples ato higiênico de lavar os pés.

A mensagem do gesto ousado de Jesus é clara: a “amizade social” não conhece limites, rótulos, círculos, pertença, religião, raça. É uma leitura desconcertante das situações trágicas, nas quais, ao lado dos horrores e dos abusos, brotam admiráveis gestos de bondade e de coragem, realizados pelas pessoas mais inesperadas.

Neste ícone, temos a magna carta da amizade social como resposta do discipulado e forma de atualização concreta do amor evangélico.

Importa “re-inventar” com urgência a amizade social como valor ético e como atitude permanente de vida.

O gesto do “lava-pés” é exemplar para todo(a) seguidor(a) de Jesus Cristo; constitui um dos gestos mais expressivos da missão e da identidade para aqueles que exercem algum serviço em sua comunidade. É revelação e ensinamento. É amor e mandamento. É gesto-vida, gesto-horizonte, gesto-luz…

A cena do lava-pés revela profundidade e delicadeza, mútuo dom e acolhimento, comunhão e pressentimento. É um gesto profético, repleto de generosidade e de humildade.

Sem o lava-pés não é possível viver o apelo de Jesus: “Vós sois todos irmãos(ãs)”.

Na noite em que ia ser entregue, Jesus realizou um gesto provocativo: “levantou-se da mesa”, distanciando-se do lugar reservado àqueles que a presidem e se situou no lugar daqueles que pertencem à categoria dos “servidores”. Jesus sabia que o lugar em que estamos situados condiciona nosso olhar e nossa atitude; por isso, tomou distância e adotou a perspectiva que lhe permitia perceber outras dimensões da vida.

A partir desse lugar tocou de perto o barro, o pó, o mal odor, a sujeira…, tudo isso que aqueles que estão sentados à mesa acreditam estar a salvo ou simplesmente ignoram e desprezam. Rente ao chão e em contato com os pés dos outros, Jesus realizou uma mudança e uma amplitude de visão que lhe fazia perceber tanto as riquezas e dons de cada um como captar a desnudez, a fragilidade e as limitações da corporalidade das pessoas. E, olhadas a partir daí, Ele deixa transparecer que qualquer pretensão de superioridade ou domínio se revela como ridícula e falsa.

Jesus está no meio das pessoas como Aquele que serve; por isso “despoja-se do manto” (sinal de dignidade de “senhor”) e pega o avental (toalha, “ferramenta” do servo). É o Senhor que se torna “servo”. O amor-serviço tem como primeiro símbolo o avental.

“Despojar-se do manto” significa “dar a vida” sob a forma de serviço.

Jesus coloca toda a sua pessoa aos pés dos seus discípulos. O Criador põe-se aos pés da criatura para revelar como ela é amada e como deve amar.

A cena é fortemente simbólica: Jesus continua sendo sempre aquele que serve.

Com o gesto do lava-pés e ao deslocar-se para o lugar do servo, Jesus rompe a verticalidade e a relação senhor-escravo, os de cima e os de baixo, os de dentro e os de fora, inaugurando, assim, a nova ordem circular do Reino, onde ninguém é descartável.

Não é comum prestar atenção ao lugar ocupado pelo outro, sobretudo o outro que pensa e sente diferente; é normal perceber, delimitar, defender e fechar-se no próprio lugar. Isso se faz de maneira tão zelosa que nem se vê aquilo que está para além do próprio lugar. São grandes os riscos de se viver em horizontes tão estreitos. Tal estreiteza aprisiona a solidariedade e dá margem à indiferença, à insensibilidade social, à falta de compromisso com as mudanças que se fazem urgentes. O próprio lugar se torna uma couraça e o sentido do serviço some do horizonte inspirador de tudo aquilo que se faz.

A partir de então, o lava-pés passa a ser o “modo de proceder” ou o “estilo de vida” da comunidade dos seguidores(as) de Jesus.

“Tal Cristo, tal cristão”:  na vivência do serviço evangélico, somos chamados a vestir o “avental de Jesus”. “Vestir o coração” com o avental da simplicidade, da ternura acolhedora, da escuta comprometida, da presença atenciosa, do serviço desinteressado…

“Tirar o manto” é a atitude firme de quem se dispõe a “arrancar” tudo aquilo que impede a agilidade e a prontidão no serviço (nossa redoma, nossa máscara, nossa capa de proteção); é mover-nos, despojados, em direção ao outro; é optar pela solidariedade e a partilha; é renovar a vontade de “incluir” o outro no nosso próprio círculo de amizade.

Precisamos “levantar-nos da mesa” cotidianamente. Há sempre um lar que nos espera, um ambiente carente, um serviço urgente. Há pessoas que aguardam nossa presença compassiva e servidora, nosso coração aberto, nossa acolhida e cuidado…

Sempre teremos “pés” para lavar, mãos estendidas para acolher, irmãos que nos esperam, situações delicadas a serem enfrentadas com coragem…

Informações adicionais

  • Fonte da Notícia: Padre Adroaldo Palaoro - SJ

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Direção
Isabel do Rocio Kuss, Ana Cláudia de Carvalho Rocha,
Marlene dos Santos e Rosali Ines Paloschi.
Arte: Lenita Gripa

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