Pelo dia 08 de março, Dia Internacional da Mulher, apresentamos o inspirador testemunho de Irmã Laura Vicuña Pereira Manso. Em suas palavras, encontramos uma narrativa que entrelaça fé, coragem e resistência, destacando a trajetória de mulheres na defesa da vida, da terra e dos direitos dos povos na Amazônia. Leia e inspire-se com este exemplo de dedicação e luta!
No dia dedicado à luta e resistência das mulheres, quero trazer à tona os caminhos percorridos por mulheres na Amazônia, a partir de experiências concretas junto aos povos originários. Unido a uma missão eclesial que ganhou grande visibilidade a partir do chamado do Papa Francisco para o Sínodo da Amazônia, em 2017, com o tema "Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral", compartilho parte da minha trajetória de vida e missão no chão sagrado da Amazônia.
A Igreja na Amazônia, em 1972, ao testemunhar a realidade de exploração e dizimação dos povos, lançou o Documento de Santarém e assumiu o compromisso de ser uma Igreja encarnada na realidade. Isso permitiu ações junto aos povos indígenas numa época de quase extermínio dos povos originários. Foi nos passos de uma Igreja comprometida com os últimos que dei os meus primeiros passos na luta pela Amazônia, pelos povos originários e pelos povos amazônicos.
O relato da experiência se dá por meio de vivências concretas, com pessoas reais, que tecem essa grande ciranda de defesa da vida, da terra e dos direitos. Não posso deixar de trazer à tona a luta do povo Karipuna em defender seu território contra invasões e destruição, pois é nesse chão que desenvolvo a ação missionária e a presença de uma Igreja comprometida com a vida dos povos.
A Amazônia é a imagem simbólica de uma mulher: da força feminina, com um ecossistema frágil e vulnerável ao avanço predatório. Transformam esta terra em um imenso celeiro, de onde se extraem riquezas à custa dos deslocamentos forçados dos povos que nela vivem. É uma imagem de mulher devastada em seus leitos de águas, que outrora eram limpas e abundantes de alimentos, em uma floresta rica em biodiversidade, tanto na flora quanto na fauna. Esse cenário era sustentado por uma rede de povos que viviam de modo a garantir a continuidade de um ecossistema vivo e vital para toda a humanidade.
A terra é como o ventre sagrado do Criador, do Grande Espírito, que gera toda a possibilidade de vida nesta Casa Comum. Com a força ancestral das mulheres, essa terra não é apenas explorada; é também palco de inúmeras lutas de resistência e afirmação do direito à vida e ao território.
Minha experiência de vida e missão se entrelaça profundamente com as lutas dos povos indígenas pela defesa dos territórios e dos direitos. Por isso, é impossível excluir desse itinerário a figura de Katiká Karipuna, uma das oito sobreviventes do povo após o contato no final da década de 1970, quando foram retirados do Rio Contra, último esconderijo do povo que fugia das frequentes investidas contra seu habitat sagrado. Nos últimos sete anos, tenho me dedicado à presença missionária junto ao povo Karipuna e, nos últimos três, assumido o serviço de compor a presidência da Conferência Eclesial da Amazônia.
Não posso deixar de mencionar minha mãe (in memoriam), uma mulher simples, sábia e uma grande liderança na Igreja e nos meios sociais. Foi com ela que aprendi que “todos somos Igreja, todos somos iguais; por isso, devemos lutar por um mundo mais justo e uma Igreja mais inclusiva”. Ela também dizia que “a Igreja tem a missão de anunciar a boa notícia do Reino e denunciar as estruturas de morte que impedem a vida plena”. No dia a dia, aprendi a trabalhar e dinamizar a vida em comunidade, unindo fé e vida, em um serviço voltado para os mais pobres, os preferidos de Deus.
São 25 anos de presença ativa com os povos indígenas, o que me possibilitou ampliar meu olhar sobre a realidade vivida, os desafios enfrentados e a busca por alternativas que garantam vida plena para todos. Meu lugar de fala é o estado de Rondônia, Amazônia Brasileira, e reflete a experiência acumulada nos últimos sete anos de atuação junto ao povo Karipuna, desde a presença da Igreja na Amazônia.
Em 2017, o povo Karipuna enviou um pedido de socorro ao Conselho Indigenista Missionário, buscando apoio na defesa de seu território, que estava sendo totalmente invadido por madeireiros, grileiros, pescadores e o crime organizado. Coincidentemente, nesse mesmo ano, o Papa Francisco convocou a Igreja para o Sínodo da Amazônia. Tive a oportunidade de participar como auditora do Sínodo e, junto com Adriano Karipuna, liderança do povo Karipuna, estivemos em Roma, levando a voz do povo e pedindo ajuda internacional para incidir sobre o estado brasileiro. Naquele contexto, durante o governo de Jair Messias Bolsonaro, houve um aumento sem precedentes na violência contra os povos indígenas e seus territórios.
Nas visitas e audiências em espaços de incidência política e eclesiástica, enfatizamos a importância da Amazônia como região estratégica para a vida das gerações presentes e futuras. Quero mencionar especialmente o Papa Francisco (vovô Francisco), pela trajetória de compromisso incondicional com os pobres, os povos originários, a Casa Comum e pelo esforço em mudar estruturas, visibilizando e reconhecendo a missão das mulheres na Igreja. Trago em meu coração as palavras dele, ditas no dia 3 de junho de 2023, enquanto refletíamos sobre a ministerialidade das mulheres e a restauração do diaconato feminino na Igreja: “Para as mudanças em curso, já não existe volta atrás”.
Então, neste dia de resistência, convido todas e todos a se unirem à defesa da vida, da terra e dos direitos. Esta é a nossa missão!
