Viver com o coração do próprio Deus...
Ao iniciar esta homenagem, permito-me fazer memória de um breve período da vida de Irmã Liduína.
Era o ano de 1964. Irmã Liduína, uma das três primeiras irmãs da congregação e, portanto, uma das fundadoras, encontrava-se com a saúde fragilizada e inspirava cuidados.
O lugar designado para sua recuperação fora Botuverá, em SC. Com razão! Um vale todo verde e montanhoso teria o silêncio e o ar puro abundantes de que Irmã Liduína necessitava para refazer-se. Durante nove meses aí esteve inserida numa pequena irmandade, com outras duas colegas de congregação. Se descansou, não sei. O que sei, é que ela nos marcou!
Ela tinha um modo todo peculiar: silenciosa, olhar profundo, sorriso largo, andar compassado e lento. As mãos grandes e macias gostavam de segurar as demais mãos com as quais cruzava, como que para acolher e abençoar.
Era através de seu sorriso, que irmã Liduína dizia de sua personalidade leve e mansa e de seu espírito missionário e evangelizador. Seu semblante expressava isto, enquanto suas palavras falavam do que habitava seu coração.
Logo que chegou a Botuverá, deu um jeito de convidar as mulheres da vizinhança para com elas rezar o terço todos os dias ao cair da tarde. Como não acolher este convite? A comunidade, que tanto apreço tinha às Irmãs Catequistas e que vivia um intenso clima vocacional, não poderia perder este momento de graça.
Assim, todas as tardes, algumas mulheres da Vila formavam uma pequena procissão e, devagar, tomavam o rumo da gruta dedicada à Nossa Sra de Lourdes, localizada próxima à igreja matriz, para, em companhia de irmã Liduína invocar a mãe Maria. Algumas meninas faziam parte do cortejo e recebiam de Irmã Liduína uma atenção especial. Eu estava entre elas. De vez em quando, ela nos oferecia a oportunidade de rezar uma dezena do terço. Era uma festa! E aí, com certeza, a semente da vocação recebeu reforço para florescer.
Após a Ladainha de Nossa Senhora, Irmã Liduína abria uma reflexão a partir de trechos do Evangelho. Falava devagar, repetia palavras, fazia preces e convidava as mães a fazerem o mesmo. E a partir deste momento diário de convivência, foi possível perceber a clareza de suas convicções.
Ao falar do Pai, assim se expressava: “O nosso Deus, é muito cordial”. Ao falar de Jesus, acrescentava algo do seu amor. Ao dizer de Maria, dos Apóstolos, repetia sua concepção: “Eles foram pessoas muito cordiais”. E quantas vezes eu a ouvi dizer: “Aquela pessoa é muito cordial”.
Para nós meninas, esta era uma palavra desconhecida e seu significado incompreensível. Para nossas mães, creio que não, porque viviam no seu dia a dia os desdobramentos do amor.
Um dia, uma das meninas perguntou à sua mãe o que significava esta palavra e a pergunta foi endereçada à irmã Liduína que, posicionando a mão no peito, assim se expressou: “Cordialidade vem de cor, que significa coração”. E continuou: “o coração maior quem tem é Deus, que é sempre muito amoroso, mas a pessoa cordial é aquela que, animada pelo amor de Deus, vive e manifesta pelas suas açoes cotidianas, o próprio coração de Deus.
As mães se entreolharam e fez-se um grande silêncio. Não sei se naquele dia compreendemos o que isto significava, mas a vida nos foi oportunizando, ao longo do caminho e até os dias atuais, a compreender e vivenciar a mensagem evangelizadora que irmã Liduína nos deixou.
COM O CORAÇÃO DO PRÓPRIO DEUS...
Vivendo em meio a uma crise civilizatória com suas contradições, violências, intolerâncias, genocídios, fluxos migratórios, polarizações e extremismos, emergência climática e tantas dores e aflições de populações vulneráveis e países em guerra.... viver com o coração do próprio Deus, nos impulsiona para atitudes ousadas e proféticas que este período exige, tais como:
- Investir em ações cotidianas que promovam a cultura da paz, do encontro e do diálogo;
- Acalentar sonhos de irmandade universal, onde os direitos de todos sejam concretizados e os valores humanos e éticos fomentados;
- Promover a ecologia integral que inclua as dimensões humanas e socioambientais (LS 137);
- Convidar novas pessoas a somarem com a gente na construção de políticas públicas emancipatórias, de outra economia e da justiça climática;
- Construir uma igreja sinodal e em saída que tenha misericórdia e que escute e atenda os clamores do povo;
- Esperançar novos tempos, apontando outro estilo de vida, para que esta, a Vida, esteja em primeiro lugar.
Sigamos!
E sem perder de vista nosso ponto de partida, somos convidadas/os a atualizar a mensagem da irmã Liduína, na certeza de que ela nos ajudará na construção deste novo tempo, onde podemos mostrar coletivamente a concretude do amor de Deus.

