Três Jovens e uma Chispa que Acendeu muitas Luzes
Amábile, Maria e Liduína não foram simplesmente fundadoras
de uma congregação religiosa;
elas foram profetisas em seu tempo.
O mês de outubro é considerado pela Igreja como o mês por excelência missionário. Portanto, próprio para refletir sobre o compromisso cristão com o Reino de Deus. Vale a pena fazer um passeio pela História e refletir sobre a dimensão missionaria do Carisma das Irmãs Catequistas Franciscanas.
Em Santa Catarina, sul do Brasil, em 1915, três jovens – Amábile Avosani, Maria Avosani e Liduína Venturi – acenderam uma chama que ainda arde fortemente: a Congregação das Irmãs Catequistas Franciscanas. Não é apenas uma história de fé, mas um ato revolucionário que desafiou as estruturas patriarcais, quebrou barreiras sociais e semeou esperança em comunidades fragilizadas. É importante não apenas narrar seu legado, mas libertá-lo da leitura passiva e celebrá-lo como um ato profético de resistência e transformação das estruturas do seu tempo.
Profecia sem discursos eloquentes
Amábile, Maria e Liduína não foram simplesmente fundadoras de uma congregação religiosa; elas foram profetisas em seu tempo. Em um contexto marcado pelo analfabetismo, pela pobreza rural e pela exclusão das mulheres da vida eclesial, elas encarnaram uma espiritualidade que rompeu os moldes da sua época. Sua profecia não se expressou em discursos eloquentes, mas em gestos concretos: ensinar a ler e escrever, viver e celebrar a fé em comunidade, visitar os doentes, acompanhar as famílias camponesas, viver com simplicidade e radicalidade evangélica.
Sua opção pelos pequenos foi uma denúncia silenciosa contra as estruturas que perpetuavam a desigualdade. Ao escolherem viver entre os mais necessitados, sem hábito ou convento, estas jovens desafiaram o modelo clerical e elitista da Igreja do seu tempo. Foram profetisas porque apontaram com a própria vida que o Reino de Deus se constrói a partir debaixo, a partir das margens, das fragilidades, das insignificancias e inutilidades.
O "Sim" como um ato subversivo
Foi no dia 14 de janeiro de 1915, em Rodeio (Santa Catarina), que essas três jovens disseram "sim" a uma missão que ia além da catequese tradicional. Em um contexto em que as mulheres eram relegadas ao silêncio e à obediência, elas escolheram o caminho do compromisso radical com o povo. Sua decisão não se limitou a um ano de serviço. Foi uma dedicação total, por toda a vida, à educação e à catequese evangelizadora com gestos profundamente comprometedores.
Amábile, a primeira a dar o passo, não só abriu o caminho para suas companheiras, mas também encarnou uma espiritualidade ousada, que entendia a fé como ação concreta em favor dos mais pequeninos. Seu "sim" foi, de certa forma, uma ruptura com o modelo clericalista e uma afirmação de que as mulheres poderiam ser protagonistas da missão cristã.
Toda “sub-versão” é, na realidade, uma “in-versao”, que provoca uma “con-versao”, a partir de uma nova narrativa. Nesse sentido, com Amábile, Maria e Liduína, se pode perceber o aparecimento de uma nova narrativa para as mulheres que não trilham caminhos comuns nem seguem metas missionarias estabelecidas por outros: “Um ano não padre; vamos ficar para sempre”.
Missão encarnada na realidade
A missão dessas irmãs não se limitava à Igreja, mas encarnou-se nas escolas rurais, nos lares humildes, nos rostos dos filhos de imigrantes europeus que viviam em condições precárias. Sua catequese não era simples doutrinação, mas educação para a vida. Elas ensinaram a ler, a pensar, a sonhar. Nos tempos em que a fé era usada para controlar, elas a usavam para capacitar.
A pedagogia que praticavam era franciscana em sua essência: próxima, humilde, comprometida com a dignidade dos pequenos. Sua presença junto aos imigrantes mais vulneráveis foi uma denúncia profética contra a exclusão social e uma afirmação do Reino de Deus como um projeto de dignidade para todas as pessoas. Por isso, seu legado vive em cada irmã e em cada simpatizante do carisma que escolhe caminhar com os pobres, em cada projeto que defende a justiça socioambiental, em cada gesto que torna visível o rosto de Deus nos pequenos.
Recriando o sonho hoje
A atual reorganização da Congregação, que busca aprofundar suas raízes e simplificar sua estrutura, é também um ato libertador. É um chamado para não perder o fogo original, para não deixar que a burocracia apague a profecia. O Carisma nasceu da escuta profunda dos clamores do povo, da sensibilidade ao Espírito e da ousadia de viver o Evangelho com simplicidade, solidariedade e serviço.
Hoje, se vê com alegria que ele é multiplicado e compartilhado entre muitas pessoas leigas que são parte viva desta História desde seu início, porque se deixaram iluminar pela mesma chama e contagiar pelo mesmo ardor missionário, se fortalecendo na mesma missão. O mundo precisa de testemunhas da esperança, da ternura e da justiça. Cada gesto de cuidado, cada palavra de consolo, cada atitude de solidariedade é uma semente do Reino que se espalha através das irmãs e de outras pessoas que abraçaram a mesma proposta.
Portanto, as vidas de Amábile, Maria e Liduína não devem ser vistas como uma história piedosa do passado, mas como uma provocação para o presente. Elas ensinam que a fé autêntica não é vivida no conforto, mas no risco. Que o Evangelho não é anunciado do púlpito, mas dos pés que amassam o barro. E que o "sim" a Deus é também um "não" à injustiça. Recriar seu sonho hoje significa ouvir o grito das pessoas oprimidas e excluídas, abraçar a causa da Terra e viver uma espiritualidade francisclariana que transforma. Como elas, todos, todas somos chamadas/os a ser “catequistas de vida”, profetas e profetisas do Reino, continuando a mesma missão profética de Jesus de Nazaré.

