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24 Novembro 2025
Violência contra as mulheres, meninas e adolescentes na Guatemala

 

Uma questão de justiça, cuidado e profecia

A violência contra as mulheres e as meninas na Guatemala é uma das mais graves violações dos direitos humanos no país. Apesar dos avanços legislativos e da pressão das organizações e movimentos de mulheres, os índices de violência continuam alarmantes. Aqui apresento as causas estruturais, as manifestações mais comuns, o papel do Estado e as respostas sociais a esse problema, com base em dados recentes e estudos especializados.

Contexto histórico e estrutural

A Guatemala tem uma história marcada pelo conflito armado interno (1960-1996), no qual a violência sexual foi usada como arma de guerra contra mulheres, sobretudo as indígenas e camponesas. Esse legado de impunidade foi transferido para o presente, onde a violência de gênero se perpetua em um sistema patriarcal, racista, classista e feminicida que normaliza o sofrimento feminino, o assassinato de mulheres e o estupro de meninas e adolescentes.

De acordo com o Relatório Nacional da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), o Estado guatemalteco adotou compromissos internacionais como a Convenção de Belém do Pará e a Plataforma de Ação de Pequim, mas sua implementação tem sido fraca e fragmentada¹.

Manifestações de violência

A violência contra as mulheres na Guatemala se manifesta de múltiplas formas: feminicídio, violência sexual, violência econômica, psicológica, simbólica e religiosa. Em 2023, o Instituto Nacional de Estatística (INE) registrou mais de 60.000 denúncias de crimes contemplados no Decreto 22-2008, que tipifica a violência contra a mulher². Destes, 1.200 foram por feminicídio, o que coloca a Guatemala entre os países com a maior taxa de assassinatos de mulheres na América Latina. A violência doméstica e os crimes sexuais afetam especialmente meninas e adolescentes, muitas vezes em contextos de pobreza e exclusão.

Impunidade, fragilidade institucional e resistência coletiva

Um dos principais obstáculos para erradicar a violência é a impunidade. Em 2025, apenas 10% dos ataques contra mulheres jornalistas chegaram às instâncias judiciais, refletindo uma profunda desconfiança no sistema de justiça⁴. As vítimas enfrentam revitimização, negligência e, em muitos casos, cumplicidade das autoridades.

A falta de orçamento para cuidados integrais, a falta de formação com perspectiva de gênero para os operadores de justiça e a corrupção institucional agravam o problema. O Ministério Público da Mulher, por exemplo, enfrenta uma sobrecarga de casos e limitações técnicas que impedem uma resposta imediata e eficaz.

Diante dessa realidade, as mulheres guatemaltecas construíram redes de resistência. Organizações como a Coordenadoria de Mulheres, Mulheres Transformando o Mundo, a Associação Ixqik e a Rede de Mulheres Indígenas, promoveram processos de acompanhamento jurídico, treinamento político e denúncia pública. Muitas organizações de mulheres indígenas se orientam pelas pautas do Feminismo Comunitário das Mulheres Indígenas de Guatemala. O Núcleo Mulheres e Teologia de Guatemala, do qual sou membra, também promove, sistematicamente, formação das mulheres através de seminários, jornadas teológicas y cursos extensivos sobre distintas temáticas relacionadas à realidade das mulheres e adolescentes. As marchas de 8 de março e 25 de novembro tornaram-se espaços de memória, demanda, articulação e fortalecimento das lutas das mulheres.

Neste contexto, o papel das mulheres defensoras dos direitos humanos das mulheres é crucial, embora elas também enfrentem ameaças, criminalização e campanhas de difamação. A luta dos movimentos de mulheres na Guatemala não apenas busca justiça para as vítimas, mas também a transformação das estruturas que perpetuam a violência.

Violência contra meninas: uma ferida sangrenta na sociedade guatemalteca

A violência contra meninas na Guatemala representa uma das formas mais cruéis e silenciadas de agressão estrutural. As meninas, especialmente as indígenas, rurais e pobres, enfrentam múltiplas formas de violência desde tenra idade: abuso sexual, exploração do trabalho, casamento infantil, tráfico de pessoas e negação de acesso à educação, à alimentação adequada e à saúde.

Dados do Observatório de Saúde Reprodutiva (OSAR), mostram que em 2024 ocorreram mais de 4.000 gestações em meninas menores de 14 anos, muitas delas resultado de estupro cometido por familiares ou pessoas próximas⁵. Segundo o Consorcio para os Direitos Sexuais e Reprodutivos, 1.439 adolescentes de 10 a 14 anos pariram em Guatemala, de janeiro a setembro de 2025. Essas gestações não apenas violam os direitos fundamentais, mas também perpetuam ciclos de pobreza, exclusão e dependência.

A violência sexual contra meninas é uma epidemia silenciosa. O Ministério Público de Guatemala informou que 70% das denúncias de crimes sexuais em 2023 envolveram menores e que a maioria dos casos não chega a julgamento⁶. A revitimização no sistema judicial, a falta de atendimento especializado e o estigma social impedem que as meninas e as adolescentes tenham acesso à justiça.

Além disso, o casamento infantil continua generalizado nas comunidades rurais, apesar de ser proibido por lei. Organizações como a Fundação Sobreviventes documentaram casos em que meninas são forçadas a se casar como forma de "reparação" após o estupro, o que constitui dupla violência.

O tráfico de meninas para exploração sexual também aumentou. A Unidade de Combate ao Tráfico de Pessoas do MP identificou redes que operam na fronteira com o México e em áreas turísticas, recrutando meninas por meio de engano ou coerção⁷. Em 2017 cerca de 41 adolescentes que estavam sob a proteção do Estado de Guatemala numa casa chamada “Lugar Seguro Virgem da Assunção” foram queimadas vivas por se rebelar contra os maus tratos, sem possibilidade de fuga, por conivência do próprio presidente da república então em exercício, que não autorizou abrir as portas das celas onde elas estavam presas. Lamentavelmente, apenas neste ano de 2025 as pessoas responsáveis por esse feminicídio coletivo foram julgadas, porém o ex-presidente, acusado de convivência, até agora não foi sequer intimado.

Propostas para uma transformação eficaz

A erradicação da violência contra as mulheres e adolescentes requer uma profunda transformação do Estado e da sociedade. Algumas propostas dos movimentos de mulheres da Guatemala incluem:

Reformar o sistema judicial com uma abordagem de gênero e justiça restaurativa.

Garantir uma educação sexual integral em todos os níveis educacionais.

Fortalecer os mecanismos de proteção para mulheres defensoras e sobreviventes.

Promover a participação política das mulheres em todos os níveis de tomada de decisão.

Desmontar os discursos patriarcais na mídia e nas redes sociais.

Promover a formação das mulheres e adolescentes em grupos de sororidade e cuidado.

Elaborar o protocolo de prevenção de abusos e exigir que seja observado rigorosamente.

A violência contra as mulheres não é um problema isolado, mas uma expressão de desigualdades históricas. Somente com vontade política, mobilização social e justiça de género será possível construir um país onde as mulheres vivam livres de violência.

Justiça de gênero, cuidado e profecia

Diante dessa realidade, a justiça de gênero, o cuidado e a profecia são elementos fundamentais para enfrentar a situação de violência que pesa sobre as mulheres, as meninas e as adolescentes de Guatemala. É urgente denunciar profeticamente essa situação e implementar políticas públicas de cuidado e proteção para elas, com foco na justiça de gênero. A educação sexual integral, a proteção comunitária, a vigilância dos movimentos de mulheres, o fortalecimento de promotorias especializadas e a participação ativa das próprias mulheres e adolescentes na construção de soluções, são passos fundamentais. Sem dúvida, cuidar e proteger as meninas, as adolescentes e as mulheres é proteger o futuro da Guatemala. Não há transformação possível sem justiça para todas elas.

Notas

  1. Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Informe Nacional Guatemala 2024. https://www.cepal.org/sites/default/files/static/files/guatemala_-_informe_nacional_2.pdf
  2. Instituto Nacional de Estatística (INE). Estatísticas sobre violência contra a mulher e violência sexual 2023. https://www.ine.gob.gt/sistema/uploads/2024/07/25/202407 25150702CFwB5ymljJwZvXLFSlpWgq3rbZauORZg.pdf
  3. Instituto de Ensino para o Desenvolvimento Sustentável (IEPADES). Violência contra a mulher: Um breve raio-x. Guatemala 2025. https://iepades.org/wp-content/uploads/2025/ 03/INFORME-VIOLENCIA-CONTRA-LA-MUJER-M25.pdf
  4. A Hora. "A impunidade está arraigada: 9 em cada 10 ataques contra jornalistas na Guatemala não são denuncia-dos." 14 de setembro de 2025. https://lahora.gt/nacionales/diego/2025/09/14/la-impunidad-se-afianza-9-de-cada-10-agresiones-contra-periodistas-en-guatemala-quedan-sin-denuncia-segun-informe/
  5. Observatório de Saúde Reprodutiva (OSAR). Gravidez em meninas com menos de 14 anos de idade: Informe 2024. https://osarguatemala.org/informes/embarazos-en-ninas-2024
  6. Ministério Público da Guatemala. Estatísticas sobre crimes sexuais contra menores. Guatemala, 2023. https://mp.gob.gt/estadisticas-delitos-sexuales-menores
  7. Fundação dos Sobreviventes. Relatório sobre casamento infantil e tráfico de meninas na Guatemala. Guatemala, 2025. https://fundacionsobrevivientes.org/informes/matrimonio-infantil-trata-2025

Informações adicionais

  • Fonte da Notícia: Irmã Alzira Munhoz

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