“Contempla, no princípio deste espelho, a pobreza, pois está colocado no presépio e envolto em paninhos. Oh maravilhosa humildade! Oh admirável pobreza! O Rei dos anjos, o Senhor do Céu e da terra repousa numa manjedoura!” (4In, 15. 88-20).
O ano passou rápido e o Natal já está aí. O comércio já grita a sedutora chamada ao consumo: com luzes faiscantes, músicas alegres, em contraste gritante com a pobreza silenciosa do evento original. O que foi, segundo a narrativa das primeiras comunidades, desumanidade crua, se apregoa hoje como magia.
As crianças são estimuladas ao “dócil comportamento”, ao esforço na escola, à colaboração nos afazeres, à “obediência” com promessas de presentes das vitrines ou simplesmente da moda, quase sempre sem aprender que celebramos Deus que vem ao mundo frágil e impotente, nascendo na precariedade mais absoluta, em ambiente mais que impróprio para a vulnerabilidade de uma parturiente e de um recém-nascido, vem e o único presente precioso: a vida em abundância.
Os adultos se preocupam com ceias abundantes e cheias, muitas vezes sem sentirem nenhuma proximidade ou afeto entre si. Claro, sempre há os que cumprem este ritual com verdadeiro sentido de partilha; trocam presentes que são troca de legítimo afeto, presentes que de fato, lembram o Grande Presente: “Porque um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado ...” (Is 9,5a).
O mistério celebrado no Natal, inebria a Francisco, enchendo-o de ternura e adoração diante do Deus feito frágil criança. Celebra com exultação e quer contagiar a todos com seu amor pelo Amor Encarnado. A Legenda Maior nos faz sintonizar com esta alegre vibração:
“Aconteceu que, no terceiro ano antes de sua morte, resolveu celebrar com a maior solenidade possível, na aldeia de Greccio, a memória do nascimento do menino Jesus, para despertar sua devoção. Para que não pudessem dizer que era uma novidade, pediu e obteve a licença do sumo pontífice, fez preparar um presépio, carregar feno e levar um boi e um burro para o eremitério.
Os irmãos foram chamados, as pessoas chegaram, ressoou o bosque de vozes, e aquela venerável noite tornou-se esplendorosa e solene por numerosas luzes, claros louvores, sonoros e harmoniosos. O homem de Deus estava em pé na frente do presépio, cheio de piedade, lavado em lágrimas e transbordando de alegria. Celebrou-se a missa sobre o presépio e Francisco, o levita de Cristo, cantou o Evangelho.
Depois pregou ao povo presente sobre o nascimento do Rei pobre a quem, pela ternura do seu amor, chamava de o Menino de Belém, quando o queria nomear”. Mas um certo cavaleiro, virtuoso e digno de fé, o senhor João de Greccio que, por causa do amor de Cristo, tinha deixado a milícia secular e se ligou ao homem de Deus por uma grande amizade, afirmou que viu um menininho muito bonito dormindo naquele presépio, que o bem-aventurado pai Francisco parecia querer despertar do sono, abraçando-o com os dois braços (LM, X, 7,1-7).
Clara atribui ao Natal um significado e importância única. Merece toda forma de celebração, nela quebrando mesmo a austeridade da penitência cotidiana, do próprio jejum. E isto não é só um bom conselho. É regra colocada no mesmo nível da oração, da confissão e comunhão: “As Irmãs jejuem em todo o tempo. Mas no Natal do Senhor, seja em que dia for, podem alimentar-se duas vezes (RSC 3,8-9).
Mais conhecido é o episódio do Natal em que ela, doente, não poderia estar presente na celebração eucarística, o que nos é narrado por uma das testemunhas no Processo de Canonização: “Na noite de Natal, não podendo levantar-se, por causa da doença, para ir à capela e acompanhar as Matinas com as irmãs, ficou só. Então suspirou e disse: “Senhor Deus, deixaram-me aqui só contigo, neste lugar”. E logo começou a escutar o órgão e os responsórios e todo o Ofício dos irmãos na Igreja de São Francisco, como se nela estivesse presente (PC 3,30).
À sua amiga Inês de Praga ela chama a atenção sobre o Natal como um dos pilares que sustentam nossa espiritualidade, a que ela mais aprecia, a pobreza, da qual não abre mão, nem diante da insistência do Papa. Em uma de suas cartas ela escreve: “Contempla, no princípio deste espelho, a pobreza, pois está colocado no presépio e envolto em paninhos. Oh maravilhosa humildade! Oh admirável pobreza! O Rei dos anjos, o Senhor do Céu e da terra repousa numa manjedoura!” (4In, 15. 88-20).
Natal! Nasce a vida, vem a nós o Amor feito pessoa, feito criança para que queiramos abraçá-lo, apertá-lo ao coração, ajudá-lo a crescer entre nós, na humanidade. Deus pisa nosso chão, suja os pés na poeira e na lama de nossa terra. Ele quer ser reconhecido e abraçado na pessoa do irmão, da irmã, do pobre desprezado, daquele e daquela com quem não simpatizamos e, nos ensina a olhá-los com seus olhos, a “descer” ao encontro deles, a ser o calor de seu abraço, a ser o seu coração que os acolhe e lhe dá vida. Que Francisco e Clara inspirem nosso Natal. Intercedam por nós, para que as luzes que acendemos em nossos presépios emanem da luz do olhar amoroso de Deus sobre a humanidade. Que sejamos berço pobre, mas cálido para que Maria possa deitar nele seu precioso Menino, nosso sumo bem.
Feliz Natal! Muita luz para o Ano que vai chegando.
