A gente entende
do São Francisco!
Nós, 43 representantes dos Povos das Terras e das Águas do Velho Chico, passamos três dias reafirmando isso. Viemos das beiras dos rios dos cerrados, caatingas e veredas, das ilhas e barrancas, da roça e da cidade. Das Minas Gerais e da Bahia, de Pernambuco, de Sergipe e de Alagoas. Realizamos a II Plenária da Articulação Popular São Francisco Vivo, em Feira de Santana, na Bahia, de 27 a 29 de setembro de 2013. A memória saudosa do fotógrafo João Zinclar e do líder quilombola Elson Ribeiro Borges nos animou ao compromisso fiel.
Nos locais onde vivemos, todos os dias, enxergamos o nosso povo a entranhar-se neste Vale como água. Correndo para o grande rio, como o São Francisco corre para o mar, com esperança de vida. Como árvore, vai em busca das raízes, a nutrir identidade e frutificar.
O que as ciências têm dito da situação do rio nos deixa alarmados. Dizem que ele está condenado e em 30 anos passará a ser intermitente. Nossos olhos comprovam, vemos menos água e mais areia. Hoje são as “croas” que traçam o desenho do rio assoreado. Ele está cada dia mais raso, coado, fraco, agrotóxicos e metais pesados no lugar de peixes. A cada dia exige mais esforço da gente pra dar conta do viver dependente de sua natureza degradada. A cada dia também nos cobra mais determinação na luta em sua defesa, a dar o grito por ele.
Empreendimentos do capital se multiplicam, mais intensos em destruir bens naturais e humanos com todo tipo de impactos socioambientais. A mineração, antes mais em Minas Gerais, hoje se espalha por todo canto, a gerar fabulosos lucros de exportação e a deixar estragos irreparáveis. Os parques eólicos imensos - falsa “energia limpa” - estão sendo impostos sobre vastos territórios da Serra Geral, na Bahia, avassalando comunidades camponesas. As barragens, grandes ou pequenas, públicas e privadas, inúmeras, significam morte certa para os rios. Energia barata com alto custo natural e social, impagável.
Dizem que é o progresso chegando, agora com o nome de “crescimento”. Já ouvimos esta pregação outras vezes e, de novo, é mentira. Promessas de emprego e renda, dinheiro e impostos. E demos com a cara em grandes plantios de eucaliptos, desmatamento, nascentes e rios destruídos. Em perímetros públicos de irrigação para empresas privadas endividadas e sustentadas pelas facilidades governamentais. Agora anunciam desastrosa exploração de gás de xisto no Norte de Minas, no Oeste da Bahia e na foz e funesta usina nuclear em Itacuruba, Pernambuco.
A transposição das águas do São Francisco para o Nordeste Setentrional é aquilo mesmo que dizíamos: ralo de dinheiro público e atrativo de votos em toda eleição, as últimas e as que virão. Canais rachados, túnel caído, empregos desfeitos, quase 9 bilhões de reais consumidos e esperanças vãs alimentadas. Comprovada também, nesta seca prolongada, que o que salva o povo sertanejo, os rebanhos e as caatingas são as iniciativas populares de Convivência com o Semiárido. A revitalização do rio, barganhada pela transposição, não vai além do programa Água para Todos e do esgotamento sanitário limitado, inconcluso e superfaturado.
A tristeza de ver o rio caminhando para morte, sob a irresponsabilidade geral, não nos desanima. As dez experiências de luta trazidas para a Plenária - por territórios tradicionais, no enfrentamento dos projetos degradantes e na busca por revitalização da Bacia do São Francisco - revelaram que a esperança de vida do rio e de sua gente está na resistência e nas iniciativas do povo organizado, mobilizado e articulado. A revitalização do rio é obra para todas as mãos, mas interessa primeiro aos pobres que visceralmente dele dependem e por ele se levantam. Neste rumo vão as decisões de ação da São Francisco Vivo para os próximos anos: lutas territoriais, enfrentamento dos projetos capitalistas, recuperação de microbacias, saneamento ambiental e consolidação da Articulação. Convocamos a se juntarem a nós os que põem a vida acima do dinheiro.
São Francisco Vivo: Terra, Água, Rio e Povo!
Feira de Santana, 29 de setembro de 2013