“Costuma-se dizer que ninguém conhece verdadeiramente uma nação até que tenha estado dentro de suas prisões. Uma nação não deve ser julgada pelo modo como trata seus cidadãos mais elevados, mas sim pelo modo como trata seus cidadãos mais baixos”. (Nelson Mandela, 1994)
Mulheres reeducandas no sistema penitenciário:
um estudo sobre afetividade e sentidos.
Assim titula a minha dissertação de mestrado em psicologia social pela PUC/SP, defendida no dia 17 de outubro. O título com a palavra mulheres reeducandas é a expressão da utopia que carrego de acompanhar uma possível transformação e superação do contexto prisional que ele exerça seu papel de ressocializador.
A pesquisa de campo foi realizada na Penitenciária Feminina de Sant’Ana com 120 mulheres. Os objetivos foram: Conhecer e analisar a experiência de estar confinada no sistema penitenciário, vivenciada por mulheres que ali estão há mais de um ano; Analisar criticamente o contexto institucional penitenciário. Possibilitar a expressão dos sentimentos e emoções referentes ao “lugar” e, às relações dentro e fora da prisão; Conhecer suas necessidades e projetos de futuro; Averiguar se as experiências na prisão afetam o corpo e a mente de forma a potencializar a capacidade de agir de forma autônoma, ou as esmagam no circulo da violência e da reação.
A categoria central da pesquisa é a afetividade baseada em Vigotski e Espinosa, cuja compreensão não é antagônica à razão, mas constitui uma unidade de análise que contém mente e corpo, objetividade e subjetividade, pois representa a vivência subjetiva do contexto externo, portanto, ela é indicativo da dimensão ético-política. (Sawaia, 2009). Espinosa entende os afetos não como fenômenos psíquicos, mas éticos, por isso, eles se tornam centrais em sua teoria política.“ Por afeto compreendo as afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada, e, ao mesmo tempo, as ideias dessas afecções” (Ética III, def. 3, SPINOZA, 2009).
Com o intuito de apreender os afetos das mulheres com relação ao ambiente institucional, foi utilizado o instrumental Mapas Afetivos (Bomfim, 2010), são recursos indicados para intervenções psicossociais, porque acessam sentimentos de forma sintética e propiciam a aproximação destes sentimentos à realidade cotidiana. Utilizamos de duas categorias paixão triste e paixão alegre, pois no contexto penitenciário as mulheres vivem a heteronomia e não a autonomia. Paixões tristes é o nome que damos ao bloco dos afetos que mantêm as mulheres no reino da violência, da raiva, da vingança e da negação do futuro. Paixões alegres são os afetos que, embora de forma fraca, aumentam a potência de vida com autonomia, apresentam um desejo de mudança, de recomeço, de amor, de esperança, de preocupação com o outro.
A banca destacou como relevância da pesquisa, o fato de ter pesquisado as mulheres no sistema penitenciário, uma vez que há poucas pesquisas em psicologia social; o fato de dar vez e voz para as mulheres falarem de seus afetos e sentidos naquele contexto; ao falar de si as mulheres sugerem o que e como deveria ser o sistema para fortificar o individual e o coletivo; oferecem elementos para pensar políticas públicas mais eficazes e assim diminuir o sofrimento ético-político de quem se encontra naquele ambiente. O sofrimento ético-político “trata-se de sofrimento/paixão, gerado nos maus encontros caracterizados por servidão, heteronomia e injustiça, sofrimento que se cristaliza na forma de potência de padecimento, isto é, de reação e não de ação, na medida em que as condições sociais se mantêm, transformando-se em um estado permanente da existência” (SAWAIA, 2009, p.370).
As mulheres da pesquisa apresentam projeto de futuro relacionado ao cuidado dos filhos, à família e à busca por trabalho e estudo, e o recomeço de uma nova vida longe da penitenciária. Elas nos disseram que: estar com os filhos, ser mãe, refazer e fortificar os vínculos familiares é indicativo de potência de agir! São indicativos de resgate dos afetos e fortalecimento da autonomia.
Ao longo do mestrado foram várias as etapas que foi conquistando, concluindo, e assim expressei nas considerações finais de minha dissertação: Pretendo aqui deixar registradas algumas considerações que no momento são considerações finais de um trabalho. Oxalá, conseguíssemos conciliar com essas considerações, o final de um sistema penitenciário que prende, aprisiona, priva, separa, afasta as pessoas do seu convívio social. Infelizmente estamos longe de ver isto acontecer, porém, enquanto não chegar este dia ousamos como Bertold Brecht[1] pensar:
“Nada é impossível de mudar.
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar”.
[1] http://www.consciencia.net/artes/literatura/brecht.html - Acesso julho de 2013.
Comentários
Compartilho com você o trabalho e a dificudade que enfrento na graduação com educandas (classes, maioria mulheres), que no imaginário social carregam a baixa estima da mulher resultado de culturas com predominância de poderes mais fortes e conseqüências históricas do Contestado. Temos muito para continuar com estudos e pesquisas acadêmicas e formação para ajudar nossas mulheres (crianças, jovens, adultas e idosas) a reconquistar seu espaço e cidadania na sociedade.
PARABÉNS pelo seu sucesso, pela sua vitória.
Podemos caminhar juntas no resgate da dignidade de mulher...
Abraços!
Sua amiga e admiradora Lurdes Caron