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30 Março 2014
Tese de Doutorado – Neiva Furlin

No dia 27 de março de 2014 ocorreu o ritual acadêmico da defesa de tese de doutorado de Neiva Furlin, intitulada Relações de gênero, subjetividades e docência feminina: um estudo a partir do universo do ensino superior em teologia católica, vinculada ao Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Paraná. A banca de defesa esteve composta pelas seguintes professoras doutoras: Martha Patricia Castañeda Salgado - UNAM (México), Maria José Fontelas Rosado-Nunes - PUC/SP, Miriam Pillar Grossi - UFSC, Marília Gomes de Carvalho – UFTPR, Ana Paula Vosne Martins – UFPR e Marlene Tamanini - UFPR (Orientadora).

Nessa tese busquei compreender, por meio das narrativas das memórias vividas pelas docentes, como elas se produzem e se legitimam sujeitos femininos de saber teológico, em um lugar marcado por uma lógica de gênero da ordem simbólica masculina, evidenciando como as dinâmicas de poder atravessam os processos de inserção, de subjetivação e de construção da docência feminina. Analisei as estratégias políticas que as docentes constroem para o seu devir sujeitos de saber, os espaços que ocupam, as iniciativas que conseguem inaugurar e até que ponto as suas práticas produzem novos significados nas relações acadêmicas e na organização das instituições católicas de ensino superior.

A tese está estruturada em seis capítulos, em que se destacam duas formas de análise e compreensão. Primeiramente, utilizei dos dados quantitativos oriundos da aplicação de um questionário a todas as instituições católicas brasileiras de ensino superior em teologia para estabelecer um quadro de evidências sobre a configuração dessas instituições e a sua relação com o MEC, os destinatários do saber teológico e os índices da representação masculina e feminina na docência nos cursos de graduação em teologia. Em um segundo momento, com base nas narrativas de 14 docentes de diferentes instituições católicas busquei compreender as dinâmicas de poder e de gênero que atravessam os processos de inserção e da permanência de mulheres no universo da teologia, bem como a posição que elas assumem na relação com as convenções normativas e práticas que regem o universo do ensino teológico.  Assim sendo, priorizei a abordagem qualitativa que permitiu compreender as experiências vividas pelas mulheres no processo de se constituírem sujeitos femininos de saber teológico e o sentido que elas atribuíam às suas ações.

Para a análise dos dados assumi uma perspectiva pós-estruturalista baseada em conceitos teóricos, tais como: gênero, poder, subjetividade ética, subjetividade nômade, agência, diferença sexual, capital simbólico, entre outros. Conceitos provenientes das teorias feministas e dos estudos de gênero, em sua contribuição para a sociologia.

Algumas das conclusões da tese.

Apesar das conquistas contemporâneas e do ingresso massivo de mulheres em diferentes áreas acadêmicas, na teologia ainda se reproduzem processos de discriminação sexual que impedem o acesso de mulheres em distintas instâncias de liderança. Há dinâmicas sutis de poder que favorecem a permanência majoritária de sujeitos de identidade clerical nos quadros da docência.

Por causa de convenções culturais de gênero, as mulheres ainda precisam empreender mais energias e uma carga de trabalho supra-humano e desigual para se afirmarem sujeitos femininos de saber teológico. São estruturas que produzem limites e barreiras para as mulheres, fundamentadas em um poder simbólico e sagrado que legitima processos desiguais e hierárquicos.  São estruturas de caráter dual, pois ao mesmo tempo em que limitam e padronizam as ações para as mulheres, também geram as possibilidades para iniciativas que promovem o agenciamento de si.  Nesse processo, a todo tempo elas parecem corresponder com as expectativas da lógica de gênero que é colocada para as mulheres e, paradoxalmente, produzem novos significados para a subjetividade feminina, produzindo deslocamentos subjetivos. Isto é, elas se afirmam numa alteridade que é positiva: um sujeito MULHER capaz de liderança, de pensar, de produzir saber, que acaba desconstruindo um sistema simbólico da mulher como desqualificada para as atividades intelectuais.  Nota-se que o desejo de ser sujeito se encaixa com o desejo de cumprir as normas.

Por evidente, que o constituir-se sujeito feminino de saber ocorre em meio a uma relação sempre tensa com as convenções normativas de uma estrutura hierárquica e masculina, que aparece impregnada nas relações, no imaginário dos sujeitos e nas práticas institucionais. Este constituir-se eticamente se conecta com os novos significados que as docentes produzem para a alteridade que resultam, não só das práticas acadêmicas que as elas realizam, mas também pela autorrepresentação de si, quando ao contarem-se, elas constroem narrativas reflexivas, em que selecionam e interpretam, de forma coerente e crítica, as suas ações e experiências na relação com as convenções normativas do campo.

Mais do que propor mudanças estruturais no universo da teologia, as docentes parecem buscar marcar a teologia com uma alteridade que é positiva. Elas se afirmam como sujeitos que têm direito a este lugar social, em parte pela formação profissional que possuem e, também por causa de uma ausência histórica. Há um desejo compartilhado de mostrar que os valores que vêm do universo feminino são importantes para a teologia. O estudo evidencia que as ações das docentes produzem pouco ou nenhum efeito na ordem institucional. Os efeitos mais significativos parecem ocorrer na relação docente/discente e na relação do “si mesmo para todas as mulheres”. As suas iniciativas, por mais importantes que possam ser, tendem a existir somente enquanto elas atuam dentro dessas estruturas.

Considerando uma história de discriminação e de ausência histórica, pode-se dizer que as práticas de agenciamento que as docentes produzem, por menor que sejam, tornam-se importantes, porque estabelecem certa autonomia em relação a uma estrutura hierárquica e masculina. Isso nos leva a pensar que “o ‘revolucionário’ não se encontra só nos grandes processos de transformação social que se concretizam no tempo e no espaço, mas também na produção de novos significados ou nas pequenas mudanças que ocorrem nas microrrelações sociais, que são tecidas no cotidiano da vida, como um modo novo de viver, de se produzir e de se reconhecer sujeito”. (Ward L Kaiser).

Dedicatória da tese:

Dedico este árduo estudo de tese a todas as mulheres que, a partir do cotidiano de suas existências, constroem estratégias de resistência política à lógica de gênero do sistema simbólico masculino, produzindo suas próprias possibilidades de agenciamento de si. Às mulheres que, ao reinventarem a sua subjetividade e produzirem uma consciência compartilhada da situação social, se colocam como sujeitos de ações concretas em prol dos direitos de outras mulheres e da construção de novas relações de gênero, alimentado a esperança utópica da possibilidade de uma sociedade fundada na igualdade e na justiça social. E, de um modo especial, dedico este trabalho a todas as mulheres, professoras e teólogas, interlocutoras da pesquisa, que se somam a esta luta, construindo as suas possibilidades de agência, apesar dos limites, das tensões, das contradições e dos desafios que se colocam dentro da estrutura eclesial.

Agradecimento

 

Agradeço a todas as Irmãs Catequistas Franciscanas que me acompanharam nessa trajetória de pesquisa, sobretudo as que estiveram mais próximas. As irmãs são testemunhas de minhas inquietações e angústias no percurso da elaboração da tese. Agradeço a compreensão, a paciência, o apoio e por dividirem comigo cada momento da elaboração deste trabalho. 

Informações adicionais

  • Fonte da Notícia: Neiva Furlin

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