Querida Beatriz hoje não queremos simplesmente nos despedir de ti como normalmente acontece nos velórios. Muitas vezes ouvimos dizer que a vida aqui e após a morte é fruto da decisão de cada momento. E talvez seja por isso que o ato de “semear” seja tão representativo da “arte de viver”.
Viver é atitude de constante semeadura, de deixar cair na terra da existência as mais diversas formas de sementes.
Cada escolha, cada gesto, cada ação, por menor que seja, é uma semente lançada sobre o canteiro da vida. Um dia, aquilo que pacientemente foi semeado, será plantação que poderá ser vista ao longe... Será colheita farta para saciar todas as fomes...
Agora, Beatriz, neste novo Tempo de Graça, neste kairós que é todo seu, uma nova semeadura já estende o seu tapete sobre o chão do Reino e de nossa centenária congregação, pois “o grão que se entrega generosamente à terra... carrega consigo promessas e possibilidades de frutos abundantes...”, como tão bem poetou Acácio Santana: “Toda semente é um anseio de frutificar. E todo fruto é uma forma da gente se dar. Poe a semente na terra, não será em vão! Não te preocupe a colheita, plantas para o irmão”.
Querida Beatriz deixaste-nos perplexas/os, sem compreender esse “teu tempo”. Dissemos que ainda não era o “tempo propício”. Temos certeza, porém, e disto somos testemunhas, que o tempo que te foi concedido como “peregrina” foi muito fecundo e cheio de frutos. Foste a terra boa do Evangelho, que produziu com fartura. E com certeza, daqui por diante os frutos serão ainda mais abundantes.
Tão jovial, tão irmã e companheira, tão amante da vida e da congregação, tão atenta à realidade que te cercava e tão cheia de sonhos, tão centrada e ao mesmo tempo tão dinâmica, como uma gazela ágil, abreviaste o tempo saltitando apressada pela vida do povo mais pobre, sobretudo dos povos indígenas que tanto amaste e com quem lutaste e buscaste incansavelmente a “terra sem males” do “bem-viver e bem-conviver”. Foste, de fato, “irmã do povo” como sonhou Frei Policarpo ainda nos primórdios da nossa congregação.
E não foi por acaso que quando ultrapassaste o umbral da finitude humana e te lançaste afoitamente no âmago da Divina Fonte da Vida, logo disseram que foste uma profetiza e pastora de sonhos e de possibilidades... Viveste tão intensamente o tempo que te foi dado! Parece que agora só faltava te transformares em semente fecunda e te plantares no mesmo chão que gerou nossa congregação. E bem no ano do centenário... Como compreender isto? “E kairós, tempo de Deus...”, assim gostavas de cantar, e assim queremos acreditar.
Querida Bea, fique em paz, como ficam as sementes no tempo da germinação! Do lado de cá do umbral da vida, aguardamos pacientes e com fé uma nova primavera e os frutos que seguramente virão de tua semente abençoada. Fique com o carinho de todas nós, tuas irmãs e companheiras de vida e missão. Continuaremos cultivando as sementes que tão amorosamente plantaste no meio de nós.
(mensagem lida na missa de oferenda de irmã Beatriz, no momento em que se entragava sementes de girassois)
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