Para quem vive na região sul do Brasil onde, de forma mais intensa, o frio se faz presente durante junho-julho, a primavera significa o desabrochar da vida, o revigorar das plantas, o brotar daquilo que parecia estar morto, a sinfonia matinal estridente dos pássaros, a alegria presente em toda a criação, o florescer de todas as plantas, enfim, o despertar da vida tem tudo, também nas mulheres e homens. Portanto, não se poderia ter escolhido mês melhor para celebrar a Palavra de Deus contida na Bíblia!

Sabemos que a Bíblia é o conjunto dos 73 livros que contém a Palavra de Deus revelada, vivida entre fidelidades e infidelidades pelo antigo e novo Israel, do qual somos continuadoras/es. Não basta conhecer e rezar a Palavra de Deus se não há conversão, adesão e compromisso transformador. Faz-se fundamental não “aprender Bíblia”, mas compreender a Palavra nela contida, configurando-se à mesma e assumir concretamente o que ela significa.

São Paulo escrevendo aos Coríntios (cf. 2Cor 2, 14-17) diz que somos “o bom perfume de Cristo entre os que se salvam e os que se perdem” e alerta que “nós não somos como muitos que fazem comércio com a Palavra de Deus.” A Palavra de Deus é este intenso perfume que temos a missão de exalar onde e com quem quer que estejamos. Contudo, é essencial para isto uma atitude de sinceridade para com o conteúdo expresso através da Palavra. De nossa parte isto requer diariamente o alimentar-se da Palavra, o “ruminar” atento e cuidadoso, com ouvido de discípula/o, da mesma, tendo presente o texto no seu contexto, bem como a realidade atual. Para ser perfume que exala a Palavra de Deus, é imprescindível o mergulho cotidiano dentro da Palavra, dando atenção aos personagens, ao lugar, ao tempo em que ocorre o episódio narrado, ao tipo de poder e de relações expressas e da parte de quem os mesmos acontecem. Requer estar sintonizada/o com as ações excludentes ou inclusivas, com palavras que expressam aspectos econômicos, culturais e religiosos da época.

A vida com dignidade que a Palavra de Deus busca sempre dar à luz, só será possível, a partir da atitude sincera para com ela, do cuidado para entender e compreendê-la no seu contexto e de um silêncio profundo de nossa parte, para que Deus possa atualizá-la em nós no contexto atual. Requer, portanto, deixar um expressivo momento, após a leitura, para Deus falar através dela em e para nós. Desta forma, jamais se correrá o risco de comercializar a Palavra, de deturpá-la, de rasgar seu ventre, ou seja, de retirar o texto de seu contexto e de dar uma interpretação fundamentalista.

A Palavra de Deus quando assumida com fidelidade e escuta entre a pessoa-comunidade e Deus, faz-nos ter o rosto de Deus revelado no Êxodo (Ex 3,7-10) e em Jesus de Nazaré: vê a situação de seu povo, ouve seus clamores e gritos, conhece a realidade na qual o povo vive. Mas não fica em cima do muro ou omisso. Desce para libertar e fazer subir para uma terra onde corre leite e mel. Ou seja, aproxima-se, acolhe, coloca-se junto para possibilitar o acesso e concretização da vida com dignidade.

Estamos no ano da misericórdia. E em hebraico esta palavra significa agir com as entranhas de mulher (=útero). A Bíblia através da Palavra nela contida, expressa Deus, cujo útero acolhe, alimenta, cuida, zela e possibilita que a vida cresça e possa ser dada à luz.

Que nossa imersão diária na Palavra de Deus nos ajude a sermos misericordiosas/os, possibilitando que sejamos “útero” para todas as pessoas e criação. Que a Palavra de Deus ajude a ser em primavera!