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17 Setembro 2019
Memória e resistência na assembleia geral do CIMI

Somos sementes teimosas(Rosa Guarasugwe)

Com o tema: “Em defesa da Constituição, contra o roubo e a devastação dos territórios indígenas” e o lema: “Alto lá! Essa terra tem dono!”, aconteceu a XXIII Assembleia Geral do Conselho Indigenista Missionário - CIMI, nos dias 09 a 13 de setembro, no centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia - GO. Teve a participação de 150 pessoas entre delegados, convidados, entidades e lideranças indígenas. Da Congregação das Irmãs Catequistas Franciscanas participaram as irmãs: Adriana Ines Nones, Ana Pereira de Macedo, Cristina Souza, Emília Altini, Laura Vicuña Pereira Manso, Lucia Gianesini, Márcia Divina Borges, Maria Lucélia Araújo da Silva, Marinete Silva Souza, Terezinha Maria Dalcegio e Zélia Maria Batista.

Nos dois primeiros dias, os olhares estiveram focados na conjuntura política, econômica e indigenista, e também na trajetória histórica da luta e conquista dos direitos dos povos indígenas. Constata-se que vivemos um tempo de profunda insegurança diante de um sistema que entra em colapso. A crise do capitalismo preserva o “mercado”, que segue ileso enquanto a humanidade e a criação caminham para uma catástrofe climática, devido à destruição do bioma amazônico e de outros biomas responsáveis pelo ciclo das águas, do carbono e da regulação do clima. A Amazônia, fonte da maior biodiversidade do planeta, torna-se o alvo principal. Seus bens naturais, rios e florestas, flora e fauna, assim como os povos amazônicos, transformam-se em mercadorias em vista de alimentar o capitalismo depredador e insaciável.

Seguiu-se a conjuntura, agora com o olhar voltado para a trajetória histórica de luta e conquista dos direitos das comunidades tradicionais, camponeses, povos indígenas. Tais direitos são assegurados pela Constituição Federal de 1988, e atualmente se encontram ameaçados, pois deparam-se com uma ruptura constitucional que os aniquila. O indigenato, que garante aos povos originários o direito territorial mesmo antes da criação do Estado, nunca foi revogado, porém está reduzido aos interesses dos megaprojetos (agronegócio, mineração). Instaura-se uma política integracionista, a volta do esbulho possessório e do marco temporal. A negação dos direitos se estende para o âmbito da precarização de políticas públicas. Com as últimas emendas aprovadas, o orçamento e os investimentos foram reduzidos.

Momento forte da assembleia foi o de escuta da voz da Amazônia. Ouvimos os clamores trazidos pelas comunidades tradicionais, pelos povos indígenas e também pelos assessores. Há uma luta por “humanização” desde a origem, pois “humano” vem de húmus, da terra. Os colonizadores não venceram! Na fala de algumas etnias, a luta e a resistência dos povos originários vêm da raiz profunda da sua ancestralidade ao afirmar: “Somos nós que dizemos quem nós somos” (Rosa Guarasugwe). A espiritualidade enraizada na ancestralidade é força para suas lutas e resistências, e somente assim continuarão a existir como sujeitos de direito.

Ao pensar nas estratégias de enfrentamento, luta e resistência, não há dúvida de que, nesse contexto, a verdadeira força está no movimento, na proteção das lideranças, que são continuamente criminalizadas na defesa dos espaços conquistados, numa resistência ativa e inteligente. Não é época de voluntarismo, é necessário refletir sobre cada ação de enfrentamento; envolver a juventude, priorizando a formação na base, tendo como fonte a espiritualidade dos povos originários; investir na autossustentabilidade, produzir o próprio alimento; intensificar e investir no coletivo de advogados indígenas; dar visibilidade à luta, pois não se resolvem problemas comuns de forma isolada. “Tua causa é minha causa. Tua luta é minha luta. Tua dor é minha dor (Chirley Pankará).

Uma atenção especial foi dada ao Sínodo para a Amazônia.Os assessores fizeram uma memória da caminhada da Igreja na Amazônia, desde o Concilio Vaticano II, passando pelas Conferências Episcopais Latino-Americanas e pelas assembleias e encontros dos regionais Norte I e Norte II. Nesse caminho percorrido, começaram a surgir muitas preocupações dos bispos a respeito da destruição do meio-ambiente, que culminou no pedido de um Sínodo para Amazônia, enviado ao Papa Francisco em 2016. A proposta foi aceita e a Assembleia Sinodal foi convocada em outubro de 2017. A partir daí, iniciou-se o processo de escuta, de modo especial dos povos originários, que deu origem à publicação do Instrumentum Laboris (Instrumento de Trabalho), documento que norteará as reflexões durante a realização da Assembleia Sinodal, de 6 a 27 de outubro de 2019.

O Sínodo para a Amazônia ainda não conseguiu envolver toda a Igreja, mas devido à sua temática estendeu seu raio de abrangência em setores extraeclesiais (político, econômico, acadêmico, social, religioso), que demonstraram interesse e preocupação com a soberania nacional, suscitaram questionamentos de como podem vir da periferia soluções para o centro. A sociedade civil, movimentos e organizações em defesa da Amazônia e da vida no planeta vêm demonstrando seu apoio e adesão às propostas do Sínodo, que vão além do âmbito eclesial.

Para a Igreja, é momento da graça – Kairós – dialogar com novos interlocutores, novas categorias de pessoas, assumir a interculturalidade, posicionar-se como Igreja samaritana, aprendiz e discípula, pois a verdade tem sua expressão multiforme. Reconhecer e valorizar a presença dos leigos e leigas, em especial das mulheres; investir na formação de novos ministérios, enfim, ser Igreja que permanece junto aos povos amazônicos e aponta caminhos de sustentabilidade.

Sendo essa uma assembleia eletiva, Dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho (RO), foi reconduzido à missão de presidir o CIMI pelos próximos quatro anos. Os delegados e delegadas elegeram como vice-presidente Lúcia Gianesini (Irmã Catequista Franciscana), e como secretário executivo Antônio Eduardo C. Oliveira. E aprovaram as prioridades de ação para os próximos dois anos: terra, água e território; a defesa da Constituição Federal de 1988, com particular atenção à defesa dos direitos originários dos povos indígenas; e apoio aos povos e comunidades que vivem em contextos urbanos.

Na noite do dia 11, teve o lançamento dos livros: “Projeto Missionário”, de Paulo Suess; “Protocolos de Consulta Prévia e o direito à livre determinação”, de Verena Glass, e “Povos Indígenas, terras, culturas e lutas”, de Benedito Prezia, Beatriz Catarina Maestri e Luciana Galante. O projeto desse último livro foi interrompido em 2014, com o falecimento de Irmã Beatriz. Após quatro anos, foi retomado como um esforço para resgatar as culturas indígenas e como homenagem à grande lutadora e aliada desses povos, nossa inesquecível Irmã Beatriz. Sua publicação vem iluminar e fortalecer a missão da Irmã Catequista Franciscana junto aos povos originários.

Com essa boa notícia e com todas as vivências desses dias de assembleia, queremos avançar fiéis à Palavra, e com ousadia lançar nossas redes em águas mais profundas, deitar nossas raízes em territórios sagrados, semear sementes teimosas que brotarão das cinzas, pois conjugamos o verbo ESPERANÇAR num tempo que é nosso Kairós.

 

Confira, no anexo, o documento final da XXIII Assembleia Geral do Cimi. 

Informações adicionais

  • Fonte da Notícia: Irmã Zélia Maria Batista

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Marlene dos Santos e Rosali Ines Paloschi.
Arte: Lenita Gripa

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