Tanto para Clara como para Francisco, a quaresma era um tempo litúrgico vital e vivido de maneira muito radical. Uma quarentena em absoluta comunhão com o Crucificado, centro de sua espiritualidade. Sozinho, em uma ilha do lago de Perusa, “onde não habitasse ninguém” como atestam os Fioretti, capítulo 7, Francisco passou toda uma quaresma, sozinho. Diz o texto que seu amigo, dono da ilha, “o levou em sua barquinha, na quarta-feira de cinzas, sem que nenhuma pessoa o percebesse e o foi buscar na Quinta-feira santa. E São Francisco só levou consigo dois pãezinhos, dos quais comeu meio, “em reverência ao jejum do Cristo bendito, que jejuou quarenta dias e quarenta noites”. E assim, com aquele meio pão, expulsou o demônio da vanglória”. A quarentena de Francisco é a busca da identificação com Jesus Cristo, sem, porém, deixar margens a nenhuma espécie de vaidade.
Segundo um testemunho inscrito no Processo de Canonização, na quaresma maior e na de São Martinho, Clara sempre jejuava a pão e água (PC 2,8). Eram duas fecundas quarentenas que viviam, com o objetivo único de “abraçar o Cristo pobre e crucificado”. E, sabemos, por suas próprias cartas que Clara nada fazia a não ser com o objetivo de “enfeitar-se toda, interior e exteriormente, com a bem-aventurada pobreza, a santa humildade e a inefável caridade do sumo Rei” (cf 4In15-32). Ela fazia e incentivava suas Irmãs a fazer.
A quarentena que vivemos, imposta como medida de segurança diante das circunstâncias que nos atingem, pode se transformar numa “quaresma-identificação” com Cristo pobre e crucificado. Podemos fazer dela um momento único de solidariedade criativa, de dar-nos as mãos sem transmitir vírus, de multiplicar os abraços curativos, de encher o mundo com a mensagem que levanta e fortalece, de promover redes de comunhão que salvam. E, por que não pensar no jejum? Jejum solidário com quem, cotidianamente faz jejum forçado? E um jejum da língua, dos olhos, dos passos... De qualquer maneira um jejum profético, na linha de Is 58...
Será este Jejum que fecundará nossa quarentena, um jejum que nos ajudará a viver solidárias com Jesus, que sofre e morre com o povo, os dias que faltam para a celebração da ressurreição.
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