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09 Maio 2020
No colo da Mãe

Lembro-me de quando eu era muito novo, como minha mãe e minha avó me levavam à Igreja com grande entusiasmo; elas queriam ir semeando pouco a pouco em meu coração, apesar do meu entendimento limitado, a certeza da presença de um Deus Pai e Mãe amoroso que acompanhava todos os passos da minha vida e que estaria comigo o tempo todo se eu abrisse meu coração. Lembro-me também que, nos momentos mais dolorosos, aqueles que, devido à imaturidade, a gente não conseguia entender ou interpretar além dos sentimentos de frustração, me convidaram a colocar meus medos e dores mais indizíveis e insuportáveis nas mãos amorosas e infalíveis de Maria, nossa mãe.

De certa forma, o que eu estava experimentando era que, por mais difíceis que fossem as circunstâncias e fosse esmagador o medo que me abalava por dentro, sempre haveria uma presença cuja mão me seguraria, me ofereceria a carícia de cura tão necessária no meio da dor mais intensa e, mais do que resolver a situação como que por mágica, seria uma presença que me garantiria que eu poderia sair adiante se colocasse fé, confiança e compromisso concreto. Fui aprendendo, seguindo a espiritualidade dos exercícios de Santo Inácio, a pedir a Maria que me colocasse junto do seu filho, como caminho para descobrir o Pai.

No meu trabalho eclesial de 20 anos em ambientes muito diferentes, vi com meus próprios olhos e, acima de tudo, experimentei no coração enquanto caminhava com os outros, a força transformadora da fé. Uma fé que, apesar das situações mais terríveis ou complexas, pode produzir mudanças inéditas para um maior senso de vida e realização, mesmo onde ninguém mais vê nenhuma possibilidade. Mas, a constante mais forte nessas conversões retumbantes, que pude testemunhar como graça, foi a mediação de Maria como mãe de entranhas amorosas, que ajuda e possibilita a superação dos medos mais incapacitantes, para que as pessoas encontrem dentro de si mesmas as forças necessárias para enfrentar situações, assumir sua verdade, seja ela qual for, e caminhar e agir em busca de um futuro diferente.

Isso é verdade em qualquer ambiente e contexto, mas eu tenho visto essa experiência com muito maior força naqueles que o mundo considera excluídos, descartáveis, ignorantes, que não têm nada a oferecer, que não entendem as coisas do mundo, ou naqueles que vivem as situações mais desesperadas que parecem não ter saída. Ou seja, apenas aqueles que têm um coração verdadeiramente aberto, aqueles que não têm mais nada a perder porque talvez sintam que já perderam tudo, e aqueles que deixam de lado interpretações racionais ao entrar em contato com sua própria dor e medo, próprios e dos outros, somente eles podem se abandonar em uma fé que pode transformar tudo.

Hoje, nessa pandemia terrível e sem precedentes, que perturbou seriamente a vida desta geração e da seguinte, estamos vivendo uma situação limite, na qual nos sentimos profundamente impotentes. O medo inunda e explode em nós em todo o nosso ser e em todos os nossos espaços, desestabilizando tudo. E, diante desse medo, temos dois caminhos:

1. Sucumbir a ele, abandonar todas as tentativas de responder e superar a situação e rejeitar qualquer possibilidade de saída para nos abandonarmos a nós mesmos em uma espiral descendente em direção a uma maior confusão, dor e perda de significado, ou

2. Assumir esse medo de partir o coração, tentar entender a realidade (ou a parte que consigamos entender), encontrando forças internas, apesar da fragilidade, para enfrentar a situação e transformar esse medo em uma atitude de confiança em nós mesmos, naqueles/as que acreditam em possibilidades além da situação de dor, e encontrar a voz de Deus que nos fala através das mediações dessa realidade.

Neste segundo modo, só é possível tecer aquele outro mundo, durante e após a pandemia, abandonando-nos em Deus, entregues às mãos amorosas de Maria. Ela, como verdadeira mãe, nos acompanhará para não perder o horizonte e nos guiará a superar os medos mais violentos, encontrando assim a paz necessária em meio ao caos, e nos ajudará a encontrar a vontade e as forças necessárias para criar e acreditar em meio da pandemia.

No anúncio de Deus, e na maneira de Maria de receber e aceitar o convite para assumir Sua vontade, encontramos as diretrizes necessárias para responder a esta crise:

1. A escolha de Deus de se encarnar em Maria reflete, inevitavelmente, um amor preferencial especial pelos menores e mais vulneráveis. Maria era uma jovem mulher, quase uma menina, de um ambiente periférico marginal. Uma mulher simples, do interior, claramente um reflexo das muitas mulheres e homens dos ambientes mais marginalizados hoje em dia, que sofrem mais com o impacto dessa pandemia devido a situações de desigualdade pré-existentes e que nessa crise se tornam mais evidente. Com Maria somos chamados a descobrir a presença de Deus nesta pandemia no meio da fragilidade. Maria, em sua própria simplicidade, expressa o desejo de Deus de continuar se fazendo presente no pequeno e no simples. Para sair desta crise com Maria, é necessário olhá-la nos olhos de muitas mulheres periféricas que estão sofrendo no momento, mas que são a presença de Deus que ajuda suas famílias e comunidades a progredir no meio da pandemia.

2. A redenção que Deus decide empreender através de Maria é possível em meio às circunstâncias mais complexas e em contextos que parecem contraditórios. Por mais difícil que pareça entendê-lo, o fato de Deus escolher Maria como o meio para iniciar a redenção da humanidade nos leva a crer que, no meio dessa pandemia, é possível assumir com nossa mãe a vontade de Deus e lutar por criar outro mundo possível nesta terrível crise. Em seu contexto, Maria foi colocada na situação de maior vulnerabilidade, aceitando o chamado de Deus, e aceitou a possibilidade de que a redenção da humanidade fosse possível, apesar do fato de envolver-se em uma situação de maior incerteza e vulnerabilidade. Nesta pandemia, podemos abraçar com a fé e a coragem de Maria o convite para acreditar que a possibilidade de outro mundo poderia estar se abrindo agora se arriscarmos e abandonarmos nossas seguranças e antigos modos de acolher a vontade de Deus e trabalhar hoje pelo Reino além da pandemia?

3. Apesar do medo, da insegurança e das primeiras hesitações, Maria assume a vontade de Deus e confia absolutamente. Com Maria, devemos confiar na presença de Deus no meio dessa pandemia e em sua palavra "não temas". Além de nossos medos, nossa incompreensão e sentimento de impotência, hoje somos chamados a confiar, mais do que nunca, que Deus caminha conosco e nunca nos abandonará. Como Maria, a questão se coloca nessa pandemia: como isso é possível? Mas, neste momento, o convite é confiar, nos dispor e agir. E, como Maria, permitir que o próprio Jesus e seu projeto se encarnem em nossas entranhas e nos transformem, para amá-lo mais e segui-lo, e dizer com ela: “eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”.

4. Maria glorifica a Deus em profunda alegria, apesar das circunstâncias de crise e de sua própria vulnerabilidade, pede que o honremos e afirma que Ele derrotará os orgulhosos e destronará os poderosos, magnificando os humildes. Por mais paradoxal que possa parecer, nós, crentes, somos chamados, como Maria, a viver com esperança em meio a essa pandemia, a ser agentes da vida diante de tantas mortes diárias e a ser um testemunho de genuína alegria pela profunda tristeza desta crise. Além disso, ser fiel a nossa mãe Maria implica denunciar com força e coragem as injustiças e situações de desigualdade que se tornaram mais evidentes em meio a essa pandemia. Maria nos assegura que os orgulhosos, incapazes de simpatizar com tantos que sofrem nessa pandemia, terão que ser colocados em segundo lugar, para colocar os humildes e pequenos em primeiro lugar, no caminho das bem-aventuranças de Jesus. Maria decreta, sem dúvida, que as causas poderosas das muitas desigualdades e injustiças, que tornaram os pequenos mais vulneráveis, terão que cair.

Coloquemos nossas orações e nossas esperanças nas palavras de nossa mãe Maria de Guadalupe para enfrentar esta pandemia: “Por que você tem medo? Não estou aqui eu, que sou sua mãe?”

Informações adicionais

  • Fonte da Notícia: Mauricio López Oropeza, secretário-executivo da REPAM

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Arte: Lenita Gripa

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