“Ascensão é o triunfo da verdade”
Inspiradas por essa frase de Dom Orlando Brandes, partilhamos um pouco da nossa experiência missionária em tempos de pandemia na Diocese de Marabá/PA. Pessoalmente, estou nesse movimento desde a volta de Agudos-SP, passando pelo aeroporto de Guarulhos. Permaneci em isolamento social por 15 dias na cidade de Belém. Sem poder conviver com as pessoas, tive que me adaptar. Ali, experimentei a sensação de abandono, embora estivesse conectada o tempo todo. Houve momento de desespero, de querer voltar para minha irmandade. Ao mesmo tempo, nesses mesmos dias, vivenciei e celebrei o Tríduo Pascal de uma forma intensa, pois fiquei hospedada na casa das Irmãs Franciscanas de Maristela, que me acolheram e me cuidaram muito bem, fazendo todo esforço para que me sentisse em casa.
Finalmente, passado o tempo necessário de quarentena, consegui voltar para casa. Doze horas de viagem de ônibus. E mais um tempo de quarentena necessário para o cuidado... Tudo o que vivenciei nesse tempo foi intenso! Ainda não consegui digerir, elaborar, integrar, nomear porque tudo é rápido e profundo. É necessário de algum tempo para fazer esse processo de integrar, perdoar e transformar.
Vemos os dias passar pela janela como um vento impetuoso. Porém, arrastam-se os dias para ver o fim de tanto sofrimento. Brota a indignação com o governo que considera vidas humanas descartáveis, priorizando a economia. Os sentimentos de impotência, dor, tristeza, abandono, inutilidade, fazem parte da trama da vida que se recria e se reinventa a partir de novas aprendizagens, novas experiências, e o cotidiano ganha um colorido especial. Difícil é manter o equilíbrio entre a mente que está acelerada e a limitação física de não poder se deslocar, encontrar-se. Como viver sem reuniões?
O coração inquieto no impeliu a buscamos um jeito e a tecnologia nos auxiliou para que pudéssemos nos encontrar! E assim começamos a nos organizar através de reuniões virtuais. Cada dia é uma batalha que enfrentamos e ficamos nos perguntando: ainda teremos força de enfrentar o que virá? Temos que lidar com o luto das perdas, consolar, amenizar a dor. Cavamos no mais profundo uma mensagem de esperança para quem ficou desesperado sem poder enterrar dignamente seus familiares.
Entre todos os grupos vulneráveis, os povos indígenas ganham destaque. Mesmo antes de acontecer os primeiros óbitos entre eles, nasce das nossas entranhas cuidadoras o desejo de fazer algo. Superamos os primeiros momentos de medo, pânico, paralização e nos organizamos em REDE com as Universidades, CRB (Congregação Filhas do Amor Divino e Divina Providência), pastorais sociais, CEBS, REPAM, CIMI, grupos de mulheres. Muitas iniciativas ganharam vida e estão dando vida: estamos fazendo remédios caseiros para aumentar a imunidade e para o Covid-19; confecção de máscaras; campanhas para arrecadar alimentação, produtos de higiene e limpeza; uma vaquinha virtual para proteger e cuidar da vida do povo indígena Warao (refugiados venezuelanos) e demais povos indígenas; acionamos o MPF, MPP, poder público para garantir o direito à saúde, à moradia para os mais vulneráveis. Uma gota de água no oceano da indiferença faz a diferença!
Lembro aqui Madre Tereza de Calcutá, quando lhe perguntaram o que fazia para se proteger do contágio quando ela visitava os pobres e doentes. Ela respondeu: “só bastam três coisas: água, sabão e muito amor”.
Tecemos, com a resiliência, a alegria e a esperança dos pobres, a REDE DE SOLIDARIEDADE, movidas pelo Espírito da Verdade, que não se dilui, mas permanece, porque tem a solidez do compromisso missionário firmado no amor, na justiça socioambiental e na paz. Assim, estamos celebrando os cinco anos da Revolução Laudato Si, que nos aponta para o caminho de conversão pessoal, ecológica, cultural, eclesial. Que esse tempo de pandemia seja proativo e nos inspire um novo modo de ser e estar no mundo, como mulheres consagradas, CUIDADORAS da VIDA.
Esse tempo de pandemia é também um termômetro de como estão nossas relações, primeiramente comigo mesma, pois tenho que me confrontar com o que SOU, com a minha verdade, voltar para minha casa interior; como estão as relações com o outro, que é meu espelho e sempre me aponta minhas fragilidades. Tempo de revestir-se de HUMANIDADE, portanto menos cobranças e mais gratuidade.
Trago o exemplo concreto de que nossa relação com as duas famílias, nossos vizinhos, se intensificou nesse tempo, a partir da iniciativa de irmã Iracema, de se encontrar todos os dias para a reza do terço e, depois, mais uma hora para jogar conversa fora. É claro que usando máscaras e mantendo o devido distanciamento.
Também consolidamos novas relações de irmandade ao intensificar momentos de oração pessoal, comunitária, estudos, reflexões, retiros sobre franciscanismo, assistindo a lives com temáticas sobre VRC e os textos e celebrações enviados pelas coordenações geral e provincial.
Estamos vivendo tempo fecundo de muita vida e esperança. Tempo de rever nossa relação com a Casa Comum, como viver a sobriedade feliz e ter como marco da nossa organização institucional a ecologia e economia, que não podem andar separadas. Tempo de REVISITAR as fontes originárias do Evangelho e do carisma franciscano, com Clara e Francisco trilhar o caminho árduo e fascinante da nossa vida-missão e sair dessa pandemia recriadas, rejuvenescidas, com novo ardor missionário, acreditando que um outro mundo possível.
Comentários