DISPONIBILIDADE CRIATIVA A SERVIÇO DA VIDA!
A disponibilidade criativa implica estar antenado/a numa escuta permanente da realidade que, tanto nos surpreende, desafia, motiva, como nos assusta, interpela, convoca...
Debruçar-se sobre disponibilidade na dança do carisma pode parecer um tanto desnecessário. Sim, pois priorizar, atividades, ações, projetos, espaços de atuação... é uma constante em todo o percurso do processo de reorganização que está acontecendo para não dizer, muito antes dele. Isto pode dar a ideia de que, se estamos numa diversidade de ações para além de nossas forças e condições a ponto de termos que priorizar, então é porque há disponibilidade de sobra. Porém, a música não é neste tom.
Não se nega que a disponibilidade pessoal e comunitária continua sendo como nos primórdios, um elemento importantíssimo na vida-missão das Irmãs Catequistas Franciscanas. Contudo, a necessidade que temos de priorizar é justamente para que a disponibilidade seja criativamente cada vez mais fecunda no serviço à vida.
A disponibilidade criativa implica estar antenado/a numa escuta permanente da realidade que, tanto nos surpreende, desafia, motiva como nos assusta, interpela, convoca. Uma escuta interpeladora. O sacerdote e o Levita da parábola do samaritano (cf. Lc 10,25-37) estavam disponíveis ao serviço do culto, do templo. Não chegar em tempo poderia ser uma irresponsabilidade, uma falta de consideração com quem confiara neles. Mas o atrelamento às obrigações os impediu de escutar a realidade que pedia socorro. O samaritano certamente não andava à toa pelo caminho. Estava viajando a trabalho, cumprindo suas obrigações. A diferença é que as suas obrigações estavam condicionadas por uma escuta atenta da realidade. Foi seu olhar compassivo que marcou a diferença¹.
A disponibilidade a serviço da vida exige assumir riscos e atitudes que podem levar a caminhos não costumeiros. Amábile, Liduína e Maria já eram assíduas participantes dos movimentos das filhas de Maria e Terceira Ordem Franciscana. Sensíveis aos gritos da realidade ousaram sair do estabelecido e, numa disponibilidade sem reservas arriscaram aproximar-se, chegar perto, tocar as feridas.
Só assim, é que confiantes na presença amorosa de Deus que as chamava, puderam dizer: Um ano não, nós queremos ficar sempre. Um sempre renovado a cada dia, nos pequenos e grandes riscos que elas, e as demais que se seguiram, precisaram assumir. Como franciscanas certamente experimentaram na pele o amargo que virou doce.
É pertinente salientar que a disponibilidade hoje, é abordada na mídia com diferentes conotações. Nas propostas de emprego, prestação de serviço e em outras realidades de trabalho, o disponível ou não, sempre aparece. “Tem vagas disponíveis para x função”, “Temos pessoal disponível para atender as 24hs”, “Não temos mais disponibilidade de vagas” e assim por diante. Nas redes sociais o ocupado e/ou disponível é uma constante. A disponibilidade presente no carisma das Irmãs Catequistas Franciscanas, porém tem muito mais a ver com um jeito de ser e estar no mundo.
Sabemos que existem no espaço virtual muitas discussões, literatura, intercâmbios, criatividades que estão à serviço da vida real. Porém toda essa maravilhosa inteligência virtual tem também o seu lado perverso. Muitas vezes parece que se invertem as coisas: o real é o virtual. É ele que escolhe o ritmo, marca o tempo, determina o compasso. Estamos com todos e com ninguém ao mesmo tempo. Enquanto o palpável, o próximo, o caído, o ferido passa a ser apenas fotografado para cair no real do virtual e ser visualizado, curtido, viralizado e logo mais esquecido.
A disponibilidade do carisma não deixa de usar a tecnologia para a divulgação do bem, para o serviço à vida mas, está ciente de que é apenas um meio.
Estar presente de corpo e alma no aqui e no agora, nas belezas e feiuras do cotidiano, abrindo-se às surpreendentes demandas da vida, é o convite que nos vem da disponibilidade criativa a serviço da vida. “O Senhor Deus deu-me a língua de um discípulo, para que eu saiba reconfortar quem está abatido. Toda manhã, Ele desperta meus ouvidos para que eu escute como discípulo (Is 50, 4-5). No anonimato do cotidiano ou nos momentos de decisões coletivas importantes, a doação e entrega estiveram sempre presentes na vida das irmãs catequistas franciscanas.
Irmã Mística Rosa Marangone², recorda com vivacidade: “Nós queríamos muito bem às irmãs (...) Elas não tinham preguiça não. Faziam tudo com muito amor, com muito carinho, gostavam muito de visitar as famílias também. Quando sabiam de alguém doente iam visitar mesmo que fosse longe e era tudo a pezinho, não tinha carro não”. E perguntada sobre a disponibilidade hoje, responde convicta: “Aqui por exemplo, na irmandade, eu vejo assim: as irmãs responsáveis pelas irmãs mais fragilizadas prestam atenção para que nada falte em medicamentos, alimentação adequada. Quem leva ao médico está sempre disponível, seja de dia seja de noite, não tem hora de atender as irmãs. Isso acho muito positivo. Temos aqui a irmã que é diretora da escola, também muito preocupada, atenciosa com os professores, alunos. É uma vida assim de muita doação”. É apenas um exemplo, mas sabemos que existem muitos outros entre as irmãs e simpatizantes do carisma.
É importante ressaltar que os momentos de oração, convivência fraterna, encontros, caminhadas de distintas épocas de nossa história, fortaleciam e fortalecem a entrega, dando um novo vigor à disponibilidade: “Eu te ofereço o meu viver, o meu agir, meu pensamento. A minha força, minha fraqueza, eu fui chamada para doação...” “Tenho que andar, tenho que arriscar, ai de mim se não o faço. Como escapar de ti, como calar se tua voz me queima dentro...”. “Sandálias caminhantes vão, são rostos de Clara e Francisco, são mãos de Cristo abraçando o irmão...” Povoando a mente e o coração de entrega, os pés e as mãos levam o corpo inteiro ao enlace da disponibilidade criativa.
Refletir, avaliar, reaprender e fortalecer os passos da disponibilidade se tornam indispensável nas mudanças de contextos (históricos, culturais...). Assim, neste mundo borbulhante de belezas e carregado de complexidades, a disponibilidade criativa pode trazer à dança do carisma, um bailar mais leve, belo, saudável e luminoso a serviço da vida.
¹ Poema Olhar compassivo – Carmelita Zanella / ; ² Irmã Mística Rosa Marangone, tem 93 anos dos quais, 60 doados na região de Mato Grosso. Hoje continua doando sua vida na irmandade do Sagrado – Rondonópolis.