Em nossos dias, certamente diria submissão a toda criatura, submissão à terra, à água, submissão ao planeta.
O mês de outubro, em todo o mundo católico, é dedicado especialmente às missões. É um chamamento a intensificar o que deveria ser parte do cotidiano: seguir com mais denodo, criatividade, intensidade e amor o que Jesus definiu como objetivo de sua vida conforme nos narra a comunidade de Lucas: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor" Lc 4,18s). Ou como resume o quarto Evangelho: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância” (Jo 10,10b.). Nosso Deus é Deus da vitalidade, da ação ininterrupta. Trabalha sempre para manter sua criação viva e desperta (cf. Jo 5,17).
Nossa missão será mesmo “submissão a toda criatura humana”? Para seu tempo, Francisco fala em criatura humana. Em nossos dias, certamente diria submissão a toda criatura, submissão à terra, à água, submissão ao planeta. Submissão é o oposto da dominação.
Terminou o “mês missionário” Estará terminada nossa missão? E nossa ação missionária terá chegado perto da missão que Jesus proclama como sua e, em consequência, nossa? Em muitas dioceses, legiões de missionários se movimentaram de casa em casa, com um roteiro de leituras e orações para “pregar a Boa Nova” e levar a bênção a todos que abrissem suas portas. Sem minimizar o imenso esforço que se faz nas Pastorais Sociais, nos Grupos e Movimentos, apenas queremos lembrar que nossa missão não é completa se se limitar ao anúncio através da palavra.
Para Francisco, missionário fervoroso, o anúncio não está em primeiro plano. Em sua Primeira Regra, neste lugar está o não fazer litígios, nem contendas. Parece passividade, mas é respeito, escuta, acolhimento do diferente, reconhecimento dos valores, serviço desinteressado, inculturação... Também está aí o ser submisso.
“Por isso qualquer frade que quiser ir entre sarracenos e outros infiéis, vá com a licença de seu ministro e servo. O ministro dê-lhes a licença e não contradiga, se os vir idôneos para serem mandados; pois deverá prestar contas a Deus se nisso ou em outras coisas proceder indiscretamente. Mas os frades que vão, podem comportar-se espiritualmente entre eles de dois modos. Um modo é que não façam nem litígios nem contendas, mas sejam submissos a toda criatura humana por Deus e confessem que são cristãos.
Outro modo é que, quando virem que agrada ao Senhor, anunciem a palavra de Deus, para que creiam em Deus onipotente, Pai e Filho e Espírito Santo, criador de tudo, no Filho redentor e salvador, e que sejam batizados e se tornem cristãos, porque quem não renascer da água e do Espírito Santo não pode entrar no reino de Deus.
Estas e outras coisas, que agradarem ao Senhor, podem dizer a eles e a outros, porque diz o Senhor no evangelho: "Todo que me confessar diante dos homens, também eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus". (RnB 16,3-8).
A missão de Clara é feita de oração fervorosa e eficaz, com frutos de libertação para além dos muros do mosteiro. A chama do fogo que ardia dentro dela, acendia a coragem e o fervor de suas irmãs e se estendia como sombra protetora sobre a cidade. Entre os numerosos efeitos desta força que a impulsionava e sustentava está a libertação da cidade, conforme encontramos na Legenda:
“Em outra ocasião, Vital de Aversa, homem cobiçoso de glória e intrépido nas batalhas, moveu contra Assis o exército imperial, que comandava. Despiu a terra de suas árvores, assolou todos os arredores e acabou pondo cerco à cidade. Declarou ameaçadoramente que de nenhum modo se retiraria, enquanto não a tivesse tomado. De fato, já havia chegado o ponto em que se temia a queda iminente da cidade.
Quando Clara, a serva de Cristo, soube disso, suspirou veementemente, chamou as Irmãs e disse: “Filhas queridas, recebemos todos os dias muitos bens desta cidade. Seria muita ingratidão se, na hora em que precisa, não a socorrêssemos como podemos”.
Mandou trazer cinza, disse às Irmãs que descobrissem a cabeça. E, primeiro, espalhou muita cinza sobre a cabeça nua. Colocou-a depois também sobre as cabeças delas. Então disse: “Vão suplicar a nosso Senhor com todo o coração a libertação da cidade”.
Para quê contar detalhes? Que direi das lágrimas das virgens, de suas preces “violentas”? Na manhã seguinte, Deus misericordioso deu a saída para o perigo: o exército debandou e o soberbo, contra os planos, foi embora e nunca mais oprimiu aquelas terras...” (LSC 23,1-11).
Francisco e Clara dois missionários que atuam de forma muito diversa, mas buscando a mesma meta: ele, andando pelo mundo, acendendo luzes, abrasando corações, conquistando multidões pela presença impactante, pelas palavras de fogo; ela, escondida no silêncio, irradiando luz pelo fogo do amor ao Senhor que a mantinha viva, que era fonte e força de seu agir, que a animava e sustentava sua esperança de ser abraçada pelo Esposo que a esperava na glória.
Clara, Francisco, intercedam por nós, missionárias, missionários da esperança. Junto ao Senhor, roguem para que Ele fortaleça em nós o vigor missionário, que substitua por confiança nossos medos, nosso comodismo por seu dinamismo criador, nossas inseguranças pela certeza de que Ele nos leva pela mão, nos carrega e sustenta em nossas fragilidades.
Francisco e Clara sejam missionários conosco. Amém.

