O Intereclesial é um encontro que reúne os representantes das CEBs - Comunidades Eclesiais de Base de todo Brasil. A iniciativa de organizar um encontro Intereclesial surgiu na década de 70, sendo realizado o primeiro em 1975, na cidade de Vitória, Espírito Santo. Os Intereclesiais nasceram com a finalidade de partilhar as experiências, a vida, as reflexões das CEBs.
Os Intereclesiais são uma experiência muito enriquecedora, pois revelam com maior clareza a situação em que vive o nosso povo pobre, possibilitam a prática do ecumenismo e manifestam com que profundidade se vive nas bases da Igreja a relação entre fé e política.
Dos Intereclesiais surgiu uma nova face da nossa Igreja, animada por tantas Comunidades Eclesiais de Base e marcada pela opção pelos pobres. Através dos Intereclesiais, mantém-se a memória da caminhada de nossa Igreja.
Vamos iniciar esta memória retomando um texto do teólogo Libânio, que em 18 pontos recorda a finalidade e o significado dos intereclesiais das CEBs. Assim ele diz:
1. Os intereclesiais nasceram com a finalidade de partilhar as experiências, a vida, as reflexões que se faziam nas comunidades eclesiais de base ou sobre elas. Esta partilha se fez de dois modos. Antes do Intereclesial, pediu-se às CEBs que mandassem para o Secretariado que organizava o Intereclesial relatórios sobre a vida de sua própria comunidade. Assim receberam-se centenas de relatórios. Alguns foram publicados no SEDOC, outros se encontram em forma de manuscrito. Além disso, durante os Encontros o momento da partilha narrativa tornou-se ponto fundamental. Contavam-se em grupo ou em plenário muitas experiências no campo da liturgia, da catequese, da organização interna, da luta social e política. Os relatos dos sofrimentos, perseguições, torturas, martírio de muitos membros das comunidades serviram como motivo de animação na fé mas também de aprendizado de defesa contra a repressão.
2. A partir destas partilhas, detectavam-se as dificuldades, os pontos positivos, as esperanças, os sinais de vida, as ameaças, os problemas práticos e teóricos. Convidavam-se então as CEBs a que continuassem refletindo sobre estas questões e pedia-se aos assessores que as trabalhassem de modo mais profundo, teológico, sociológico, quer como ajuda às próprias comunidades, quer para criar uma consciência eclesial mais ampla sobre tal realidade.
3. A partir dessas duas finalidades surgiram os primeiros trabalhos teológicos mais profundos sobre as CEBs, iniciando uma verdadeira eclesiologia latino-americana. Basta compulsar os artigos saídos em SEDOC, REB, Notícias da Arquidiocese de Goiânia, e em outras revistas de outras igrejas cristãs.
4. Devido à situação do regime militar e de repressão às forças e movimentos populares, onde os militares incluíam as CEBs, a temática da fé e política, a análise da conjuntura política e econômica foram temas importantes de estudo sobretudo durante os primeiros Intereclesiais. O número de participantes dos primeiros permitiram ainda um estudo relativamente aprofundado em que membros das CEBs, agentes de pastoral, assessores e bispos podiam trabalhar a questão sob diversos ângulos.
5. Especialmente a partir do Encontro de Trindade, em que o número de participante já alcançava proporções maiores, o caráter celebrativo, sempre presente nos anteriores, assume relevância maior e quase dominante. Continuam os momentos de intercâmbio de experiências em grupo e em plenários, os trabalhos em grupo para aprofundamento da temática central e os relatórios em sucessivos plenários com participação dos assessores. Os Intereclesiais transformam-se em gigantescos momentos de celebração da fé e da vida das comunidades, em excelente escola de liturgia popular para os presentes e para as comunidades. Os regionais encarregaram-se das grandes liturgias. Vinham já preparados de suas regiões e manifestavam para todos a vivência litúrgica de suas regiões e comunidades.
6. Os Intereclesiais criaram um intervalo de tempo entre eles de modo que o tempo imediatamente subsequente ao Intereclesial se transformou em momento de assimilação do que se tratou lá. Depois que se inicia a preparação do novo Intereclesial, começa-se a estudar novo tema. Nesse sentido, os Intereclesiais são marcos referenciais para estudos nas comunidades e regiões, indicando-lhes a temática.
7. Os Intereclesiais têm a finalidade importante de animar as CEBs, dar-lhes uma consciência mais explícita de sua própria caminhada. Lá onde elas labutam, pequenas e frágeis, podem sentir-se isoladas e desanimar. Os Intereclesiais revelam para os participantes e pelas informações, notícias, vídeos a muitas CEBs que se trata de enorme rede de CEBs. Pertencem-se mutuamente. Isso anima-as, reforça-lhes a consciência, a esperança e o entusiasmo. Em termos sociológicos, é uma estrutura de apoio, um "aparelho de conversa" maravilhoso de reforço da consciência de eclesialidade das pequenas CEBs.
8. Nos anos da repressão, os encontros foram momentos importantes para a tomada de consciência das perseguições e para também umas aprenderem da experiência das outras no suportar e defender-se em tais situações.
9. No final dos Intereclesiais, publica-se abundante material das discussões dos grupos, dos relatórios dos plenários, de resoluções de grupos e propostas eventualmente aprovadas em plenários que servem como sugestão e marco orientador para a vida e agir das comunidades, ainda que nada disso tenha caráter vinculante ou oficial, nem significa a aprovação de todos os presentes. Sem dúvida, de alguns deles, sobretudo dos primeiros, surgiram linhas convergentes de reflexão e ação.
10 Os Intereclesiais oferecem excelente ocasião para que bispos e assessores ouçam a voz simples do povo fora de seu contexto mais restrito de diocese ou de ação pastoral. Há um falar mais amplo, diversificado e rico das comunidades de base que ajuda muito o bispo e o teólogo no seu mister pastoral e até mesmo acadêmico.
11. Dos Intereclesiais emergiu a feição de nossa Igreja, animada por tantas comunidades eclesiais de base e marcada pela opção pelos pobres. Esta imagem de Igreja tem possibilitado à própria Igreja institucional uma tomada de consciência mais ampla de toda a realidade eclesial e a confecção de documentos corajosos e proféticos.
12. Os Intereclesiais foram modificando sua dinâmica à medida que a presença das bases mais simples se tornava maior em relação ao número de assessores, clero, religiosos e agentes de pastoral. A voz dos fiéis mais simples se tornou mais clara de modo que se pode assim perceber melhor a vida interna das comunidades. Há uma "tomada de palavra" das bases da Igreja que até então exerciam papel mais passivo e dependente do clero e agentes de pastoral letrados. Em muitos momentos, foi uma palavra crítico-profética e de testemunho martirial muito rica para o conjunto de toda a Igreja.
13. Os Intereclesiais propiciam uma experiência eclesial única e muito enriquecedora, apesar ou até mesmo por causa de seus momentos de sofrimento e tensões. Revelam com maior clareza para muitos a terrível situação de sofrimento de nosso povo pobre. Manifestam também com que profundidade se vive nas bases da Igreja a relação entre fé e política. Servem de uma "lente de aumento" do que acontece em miniatura nas CEBs.
14. Os Intereclesiais mantêm o elo vivo entre as comunidades ao longo de todo o país pelo seu caráter geográfico tão amplo e ao longo dos anos pela sua periodicidade. Fazem a função de um condensador que capta as energias dispersas ao longo dos anos e do gigantesco espaço nacional, concentra-as nos poucos dias e irradia-as para os anos seguintes e para espaços ainda mais amplos. Os Intereclesiais conseguem praticamente envolver quase todas as igrejas particulares do país. Além disso, eles cumprem a finalidade de ser memória viva da caminhada de nossa Igreja. A partir deles, historiadores futuros poderão recuperar muito da trajetória concreta da vida de nossa Igreja num dos seus tecidos mais vivos.
15. Os próprios Intereclesiais servem de excelente exercício pedagógico-pastoral para nós todos: lideranças da base, agentes de pastoral, assessores e bispos. As práticas, que se desenrolam durante o Encontro, treinam a todos nós sob vários aspectos: saber liderar, organizar, ouvir, calar, deixar-se questionar e enriquecer pelo diferente, dialogar, exercer atitudes democráticas, partilhar mutuamente da vida um do outro, polir arestas, etc.
16. Os Intereclesiais têm significado exercício privilegiado da prática ecumênica. Isso tem acontecido desde o início. E ultimamente se colocou a difícil prática de convivência com formas muito diferentes de inculturação cristã (indígena e negra) e da dupla prática religiosa de alguns de seus membros.
17. Os Intereclesiais têm propiciado a criação de uma consciência latino-americana com a presença de representantes de muitos países do Continente. Esta amplia-se ainda mais pela presença de membros de Igrejas de outros continentes. Com isso, rompe-se visão estreita e local de Igreja.
18. O reforço da dimensão libertadora da Igreja e sua pastoral se dá por ser um encontro de comunidades de base, constituída fundamentalmente de pobres e pelo narrar de seus sofrimentos e lutas.
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