Nos dia 10 a 17 de julho realizou-se o retiro Franciscano na Casa Paz e Bem, em Curitiba, orientado por Frei João Carlos Karling, OFM. Participaram 24 irmãs, entre essas Irmã Izaura Cordeiro e Irmã Ivonete Gardini da Coordenação Geral e a simpatizante do carisma Mara Selke.
O tema do retiro se focou nas orações e textos escritos por Francisco de Assis, em sua experiência místico-contemplativa, a partir da rica e profunda leitura reflexiva de Frei Thaddée Matura, publicada no livro Incontri com Francesco d’ Assisi. Fundamentado nessas reflexões, Frei João Carlos conduziu o grupo a rezar por meio de sete passos, um para cada dia, sobre os quais pontuamos alguns aspectos:
1º Passo - O coração puro: “Felizes os de coração puro porque verão a Deus”. Neste primeiro passo fomos conduzidas a nos confrontar com o coração puro na visão franciscana, que não é dicotômica. Trata-se da postura de olhar do alto as coisas terrenas e a buscar as coisas celestes. Aqui a expressão terrena não é no sentido de desprezível, mas tomar distância para ter o verdadeiro sentido das coisas deste mundo e perceber a sua relatividade e não colocar nelas todo o coração, e ao mesmo tempo, manter-se aberta para o além. O celeste é a dimensão do mistério presente em tudo, cujo centro absoluto é Deus mesmo. Assim, um coração puro é um coração que, unificado e centrado, busca e persegue através de todas as realidades, sejam terrenas e celestes, aquele que é o único objeto do seu desejo, da adoração e da sua vida. Para Francisco de Assis, um coração puro, não é um coração libertado de toda mancha, mas um coração que esqueceu suas próprias virtudes e pecados, que sai de si mesmo para colocar-se na busca daquele que está presente por toda parte.
2º Passo - Aquilo que o coração puro vê: Fomos conduzidas a rezar o olhar contemplativo sobre a imagem de Deus Pai/Mãe presente na oração de Francisco. Nela Francisco eleva um hino de pura ação de graças. Nada pede, simplesmente reconhece a sua pequenez e a grandiosidade de Deus. O coração puro de Francisco vê Deus em sua magnitude, cuja grandeza expressa por nove diferentes atributos que se remetem à transcendência, cujos significados são explorados em seus detalhes na releitura de Matura.
3º Passo – O Verbo do Pai: Nesse passo fomos levadas a rezar e a contemplar com Francisco o amor do Pai, que envia a sua Palavra, assumindo a carne de nossa humanidade e fragilidade. Francisco reza pedindo o pão nosso de cada dia, sem o qual nenhum ser humano pode viver. Este pão ainda não significa Eucaristia, mas “o dileto Filho, nosso Senhor Jesus Cristo”. Trata-se da acolhida, na fé, da pessoa de Jesus para que a vida tenha sentido. Comer o pão, que é Jesus, significa receber no coração a revelação desconcertante do seu amor extremo por nós. É acolher Jesus para fazer memória, compreender a adorar. Francisco condensa o método da abordagem contemplativa de Jesus em “recordar, compreender, adorar, não os aspectos externos, mas sim o coração de tudo: o amor que teve por nós”.
4º Passo - A virgem Gloriosa e os Santos: Francisco contempla o mistério de Deus e da sua obra no mundo, em que a Virgem Maria aparece como a grande mediadora, pela qual entra no mundo a salvação. No seu hino de saudação à Beata Virgem Maria, ele expressa um canto de maravilha e de louvor, sem nenhuma ação de graças e nenhum pedido. Ele concentra o seu coração sobre Maria e amorosamente se dirige a ela com nomes diversos, que ganha um sentido profundo na releitura de Matura. Na súplica de Francisco a Deus, que aparece numa passagem da Regra não Bulada, Maria não aparece só, mas vinculada à Trindade e a toda uma “nuvem de testemunhas”. Francisco se remete ao um imenso cortejo de Santos/as em que Maria é a personagem principal. Assim, a contemplação do mistério de Maria no plano de Deus, evidencia que ela se situa tanto na profundidade trinitária como na presença no meio da humanidade.
5º Passo - Ver o Pai mediante o espírito: Nesse passo fomos convidadas a conhecer Deus pelo espírito. O Caminho é Jesus. Ele nos revela o Pai, mas esse caminho não é fácil. É necessário ir além de uma abordagem humana, que é só possível pelo espírito, numa profunda experiência de fé. Isso quer dizer que não basta o conhecimento do Jesus histórico, é preciso ir nas profundezas do mistério. Assim, pela eucaristia somos convidadas a fazer esse caminho e a ver e a crer na presença do mistério, do absoluto, do filho encarnado, como bem Francisco enfatiza nas admoestações. É na realidade secreta da eucaristia que ele se faz ver experimentar. Quando temos o coração pesado pelas ocupações e preocupações, corremos o risco de passar próximos da “verdade” e não reconhecer o Filho de Deus. Ele vem a nós de forma simples, na humilde aparência, como um banal alimento do cotidiano. Para Francisco, na Eucaristia acontece o prolongamento da Kénosis do Servo. Quando permanecemos no externo não conseguimos conhecer o mistério, mas quando contemplamos a realidade com os olhos do espírito chegamos ao verdadeiro conhecimento da divindade do Filho, que está contida e entregue no corpo glorificado e velado do sacramento. Em Francisco é só pela via do Filho, e guiados pelo espírito que se revela “as profundezas de Deus”
6º Passo - Não desejar nada a não ser Deus: fomos convidadas a mergulhar no mistério da profundeza da oração de Francisco, que nos interpela a louvar e a buscar com todo o ser “o único e necessário, que é o mistério de Deus, conhecido como amor, como experiência inefável, a ser glorificada”. No fundo ele nos interpela a buscar o amor de Deus e a descobri-lo em todas as coisas e situações. Um Deus que nos ama assim como somos “miseráveis e míseros, ingratos e maus” e no mesmo movimento nos convida “a amar, a querer e a desejar aquele que é “agradável, único e dileto”, que nos preenche absolutamente”. Um Deus que é “ pleno, todo o bem, o verdadeiro e sumo bem...” , que é “amigável, terno, suave, doce...”. O coração puro de Francisco e cheio de Deus o faz nomear esse Deus como uma série interminável de atributos. Também nos recorda que este Deus é “invisível aos olhos humanos; incompreensível e investigável a qualquer aprisionamento intelectual, inarrável e inefável para qualquer esforço da linguagem”. Mas possível de ser experienciado a partir do olhar contemplativo que provém da fé, do mistério.
6º Passo - Tudo restituir a Deus: Do mesmo modo de Francisco, fomos convidadas a restituir tudo a Deus, tudo o que somos - os bens e dons - que Ele nos concede, dando graças a Ele, porque todos os bens e dons dele procedem. Não podemos nos apropriar dos bens e dons, eles nos são dados para serem colocados a serviço. . Reconhecer que tudo é de Deus, nos coloca na dinâmica de despojamento, de despossuir-se, que é a restituição. Abrimos-nos a vida e à salvação gratuita na medida em que nos entregamos ao amor misericordioso de Deus. O Reconhecer-se criatura de um Deus que é “Onipotente, santíssimo, sumo bem, todo bem” a quem devemos render graças, honrar com tudo o que somos, restituindo-nos inteiramente à Ele, segundo Matura, mostra que Francisco é o verdadeiro pobre que se entrega por inteiro, de “uma pobreza que não é, em primeiro lugar, uma pobreza exterior, mas ausência de si mesmo, espoliação de toda a propriedade de si, de qualquer pretensão, enfim de toda virtude”. Faz-se necessário tem sempre presente, o mandato de Francisco: “Nada de vós retenhais para vós, para que totalmente vos receba Aquele que totalmente se oferece”
Em todos esses passos interpeladas, a partir dos textos, mergulhar na profundidade de nossa corporalidade, do nosso ser para escutar Deus e olhar a nossa realidade, o movimento do nosso coração, com a consciência de enquanto estávamos, as outras irmãs estavam e as criaturas todas estavam em sintonia com o mesmo mistério.
Os momentos de oração, de partilha comunitária e de adoração foram nos ajudando a nos mover em Deus. E nessa dinâmica rezamos também a memória dos 100 anos de história da congregação e os desafios e apelos que a Divina Fonte da Vida continua nos fazendo. De acordo com as partilhas das irmãs, o retiro foi um momento de graça, sobretudo por nos colocar em contato com o Mistério, na perspectiva da mística franciscana. Oxalá, que a experiência e os toques de Deus, experienciados no retiro, se tornem vida em nós e nas relações com quem convivemos e trabalhamos.
Louvamos a Divina Fonte da Vida por este momento de graça, de reanimar as forças e de renovar a consciência de que na VRC, quando não mergulhamos em Deus tudo perde o sentido.