Será que Deus continua inspirando hoje? De que forma Ele o faz? Como a inspiração de Deus se faz compreensível para as mulheres e os homens de nosso tempo, sobretudo de jovens e adolescentes? E as pessoas deste tempo, destes continentes e países, de bairros urbanos e campesinos, dos morros e baixadas, dos centros sofisticados e das sofridas favelas e periferias, teremos olhos, ouvidos, sensibilidade para perceber esta inspiração? E mais, teremos abertura para acolhê-la e generosidade para responder aos seus impulsos?
O braço de Deus não encurtou quando se trata de realizar a justiça, sua voz não calou, quando a questão é a defesa da vida ameaçada, especialmente nos pobres e oprimidos, seu coração não se apequenou e não deixou de recolher os gritos dos pobres, dos machucados, da terra ferida e vilipendiada. Seu olhar continua atento, seu ouvido segue aberto, sua mão ainda se estende e seu movimento ainda é o de “descer para libertar”.
Francisco não perdeu tempo, ao ouvir o apelo, “vai reconstrói minha igreja”. Mesmo sem compreender direito, pôs mãos à obra.
“Assim, o servo de Deus, Francisco, despojado de todas as coisas do mundo, dedicou-se à justiça divina e, desprezando a própria vida, entregou-se ao serviço divino por todos os modos possíveis. Voltando à igreja de São Damião, alegre e fervoroso, fez para si um hábito como de eremita. Voltou a entrar na cidade de Assis tanto a louvar o Senhor pelas praças e becos como a adquirir pedras para a reparação da referida igreja dizendo: “quem me der uma pedra terá uma recompensa, quem me der duas, terá duas recompensas, mas quem me der três, terá outras tantas recompensas” (1Cel VII).
Mas não se preocupou só com a igreja de pedra em ruínas. Preocupou-se com as ruínas da igreja viva, os leprosos, condenados à segregação total, considerados mortos para a sociedade.
“Depois disso, amante santo de toda humildade, transferiu-se para um leprosário. Vivia com os leprosos, servindo com a maior diligência a todos por amor de Deus. Lavava-lhes qualquer podridão dos corpos e limpava até o pus de suas chagas, como disse no Testamento: “Como estivesse ainda em pecado, parecia-me deveras insuportável olhar para leprosos, mas o Senhor me conduziu para o meio deles e eu tive misericórdia com eles”.
Essa visão lhe era tão insuportável que, em suas próprias palavras, no tempo de sua vida mundana, tapava o nariz só de ver suas cabanas a duas milhas de distância.
Mas, eis que um dia, quando, por graça e força do Altíssimo, ainda vivia como secular mas já tinha começado a pensar nas coisas santas e úteis, encontrou-se com um leproso e, superando-se, chegou e o beijou.
A partir de então, foi ficando cada dia mais humilde até chegar à perfeita vitória sobre si mesmo, por misericórdia do Redentor.
Ajudava também os outros pobres, mesmo quando ainda era secular e seguia o espírito do mundo, estendendo sua mão misericordiosa para os que não tinham nada e mostrando compassivo afeto para com os aflitos” (1Cel VII, 17,1-6).
Para Clara a inspiração divina é realmente parte da respiração, imprescindível para seguir vivendo. Viver sob a inspiração divina é viver um estado de atenção total, de entrega confiante. É caminhar sem deter-se, é avançar, na fidelidade, na pobreza, perseguindo o “ser perfeito, como o Pai é perfeito”. Este espírito ela o comparte com sua amiga Inês de Praga: “Mas, como uma só coisa é necessária, a uma só coisa te chamo a atenção por amor d'Aquele a quem te ofereceste como vítima santa e agradável. Eu te exorto a não esqueceres o teu santo propósito e qual outra Raquel, não percas de vista as motivações de início; mantém-te firme no que já alcançaste; sê constante no que fazes; não desanimes no caminho, corre veloz, com passo leve e sem tropeçar; que nem a teus pés o pó se apegue; avança segura, alegre e jovial, no caminho da felicidade, não acredites nem confies em quem te tentar desviar deste propósito; ultrapassa todo o obstáculo do caminho, e sê fiel ao Altíssimo no estado de perfeição a que te chamou o Espírito Santo ... Como virgem pobre, abraça o Cristo pobre” (2In 10-14.18).
Hoje, fazem falta Franciscos, Claras, Chicos Mendes, Mamá Tingó, Dorothys, Zumbis dos Palmares, Santos Dias, Dandaras, Marieles, Margaridas, Hermanas Mirabal, Mandelas ... que sob a inspiração divina, coloquem sua vida a serviço da pobre vida e da vida da terra e das águas, das matas e dos animais, das crianças e das pessoas idosas, das mulheres e da classe trabalhadora, de toda a vida ameaçada.
Inspira-nos, Senhor, impulsiona-nos, dá-nos coragem e ousadia! Inspira mulheres e homens com determinação e capacidade de escuta, com sonhos e decisão.
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- Impulsiona-nos, Senhor!