Em nossa paróquia (Nuestra Señora de la Altagracia de Herrera/SD) se canta uma canção que diz: “Los Sagrados Corazones de Jesús y de María traspasados de dolor...”. Nestes últimos tempos, destes corações jorra sangue sem cessar: sangue das crianças e de tantas pessoas assassinadas nesta guerra genocida entre Palestina e Israel entre Rússia e Ucrania e tantas outras; sangra pela imensa dor vivida em Porto Alegre e em todos os lugares atingidos por inundações ou secas; sangra pelos feminicídios e infanticídios diários que ainda ocorrem em tantos lugares; sangram por tantas dores da vida ferida neste maltratado planeta terra.
Como o fez nas bodas de Caná, Maria sempre conduz a Jesus. Ao pé do Coração transpassado pela lança, envolvendo-o com seu olhar de misericórdia lhe transmite força de fidelidade, para beber até a última gota do amargo cálice salvador. No Transpassado ela contempla e acolhe os Transpassados de todos os tempos, de todos os lugares feridos por toda forma de lança.
Francisco deixou a dor dos corações transpassados por espadas e lanças, por balas perdidas ou direcionadas, pelo desprezo, marginalização e abandono ferir seu coração. Conhecemos seu próprio testemunho: “Foi assim que o Senhor concedeu a mim, Frei Francisco, começar a fazer penitência: porque, como estava em pecados, parecia-me por demais amargo ver os leprosos. E o próprio Senhor me levou para o meio deles, e fiz misericórdia com eles. E afastando-me deles, aquilo que me parecia amargo converteu-se para mim em doçura da alma e do corpo; e depois demorei só um pouco e saí do mundo (Test 1-3).
Conhecemos também o testemunho da Igreja: “Daí, ele, que amava toda humildade, se transferiu para os leprosos e ficou com eles, servindo com toda diligência a todos por causa de Deus. Lavava seus pés, atava as feridas, tirava a podridão das chagas e enxugava o pus. Também beijava, por admirável devoção, suas chagas ulcerosas, ele que logo seria um médico evangélico.
Por isso conseguiu tanta virtude da parte do Senhor que obtinha uma admirável eficácia para curar maravilhosamente doenças espirituais e corporais. Vou contar um caso entre muitos, que aconteceu quando, posteriormente, a fama do homem de Deus ficara mais amplamente conhecida. Pois quando uma doença horrível foi corroendo e devorando a boca e o maxilar de um homem do condado de Espoleto, e não havia remédio algum da medicina que pudesse ajudá-lo, aconteceu que, tendo ido visitar os túmulos dos apóstolos para implorar seus méritos, voltando da peregrinação encontrou o servo de Deus. E como por devoção quisesse beijar-lhe os vestígios, o homem humilde não o permitiu e beijou a boca daquele que queria beijar-lhe os pés. Mas quando Francisco, servo dos leprosos, tocou com a boca sagrada e admirável piedade aquela chaga horrível, a doença desapareceu toda e aquele sofredor recuperou a saúde que desejava.
Dessas coisas, não sei o que merece mais admiração: se a profundidade da humildade em um ósculo tão bondoso ou se a grandeza da virtude num milagre tão estupendo (LM 6,3-12)
O milagre é da misericórdia, passar a miséria alheia pelo coração e atuar a partir daí. É o agir do coração de Jesus, do coração de Maria, o agir do coração de Deus.
De Clara são abundantes os testemunhos de misericórdia ativa, realizada sempre pelo sinal da cruz supremo ato de misericórdia divina, pela qual fomos resgatados/as das garras da morte e lavados no sangue salvador do Cordeiro.
“Declarou ainda que a bem-aventurada mãe era humilde, carinhosa e compassiva para com as irmãs doentes e que enquanto a saúde o permitiu, as servia lavando-lhes os pés, chegando-lhes água para lavarem as mãos e não raras vezes se ocupou dos despejos das doentes” (PC 1,12).
“Mesmo sendo muito severa consigo mesma, utilizando tão ásperos cilícios, era muito misericordiosa para com as irmãs que não podiam suportar semelhante austeridade e consolava-as com muita delicadeza” (PC 2,6).
“Disse ainda a testemunha que uma irmã do mosteiro, de nome Benvinda, ... caiu gravemente enferma, sofrendo de muitas dores por causa duma grande chaga debaixo do braço. Quando disso tomou conhecimento, a piedosa mãe Santa Clara encheu-se de grande compaixão e rezou por ela. Traçado sobre ela o sinal da cruz, ficou imediatamente curada” (PC 2,16).
Quantas chagas, quanto frio, quanta enfermidade, quanta dor, quanta falta e quanta perda transpassa o coração dos pobres, transpassando o coração de Jesus, o coração da Mãe, o coração de nosso misericordioso Deus.
Igual a Clara, como Francisco deixemos que as dores dos pobres, a dores da terra, “a mais pobre entre os pobres” transpassem nosso coração e nos movam a fazer misericórdia, a ser presença misericordiosa, a fazer diferença pela misericórdia.