Há poucos dias celebramos o Dia Mundial do Pobre, instituído pelo Papa Francisco para que sempre renovemos a consciência da desigualdade na distribuição dos bens da terra, brecha que se afunda em processo galopante em nossa sociedade. Lembrando que esta celebração nasceu no contexto do Ano da Misericórdia atitude do próprio Deus que passa a miséria humana por seu amoroso coração.
O olhar com o coração e com as mãos para o pobre é tema recorrente na Bíblia: da viúva e do órfão, os mais pobres entre os pobres, Deus é particularmente zeloso: “Se de algum modo os afligires, e eles clamarem a mim, eu certamente ouvirei o seu clamor. E a minha ira se acenderá” (Ex 22, 23-24a). No livro dos Provérbios somos advertidos: “Quem fecha os ouvidos ao clamor do pobre também clamará e não terá resposta”. (Pr 21,13). Os profetas denunciam a presença de pobres no meio do povo, como infidelidade à Aliança.
Esse olhar preferencialmente cuidadoso pelo pobre é como segunda pele em Jesus, a misericórdia de Deus que assumiu nossa natureza. “Bem aventurados os pobres, porque deles é o Reino dos Céus” (Lc 6,20), proclama. Os sinais que realiza são sempre em defesa da vida, da dignidade dos pobres...
Na vida das primeiras comunidades, diante de um impasse nas linhas de evangelização, Tiago, Pedro e João, colunas da igreja, reconhecendo o valor de Paulo na expansão do Evangelho “recomendaram apenas que nos lembrássemos dos pobres...” (Cf. Gal 2,9-10).
A celebração do 8° Dia dos Pobres nos adverte: “A oração do pobre eleva-se até Deus”, portanto, estaremos mais perto de Deus na medida que nos aproximarmos deles. E, no Angelus deste dia, o Papa Francisco nos lembra que “os pobres não podem esperar, vamos olhá-los nos olhos” e, com eles assumir a luta por políticas públicas exigindo dos que nos governam "um sério e eficaz compromisso político e legislativo", através de metodologia em que o pobre seja sujeito do processo de responsabilização.
Clara amava os pobres não porque são santos ou melhores que as outras pessoas, mas porque neles ela vê o Cristo pobre e crucificado pela fome e toda forma de necessidade. A sua amiga Inês escreve:
“Fortalecei-vos, pois, no santo serviço pelo qual vos haveis decidido, em ardente desejo de imitar a Cristo pobre e crucificado. Ele sofreu por nós o suplício da Cruz, para nos libertar do poder do príncipe das trevas que, desde o pecado dos nossos primeiros pais, nos mantinha prisioneiros. Assim nos reconciliou com Deus nosso Pai.
Ó bem-aventurada pobreza, penhor de eternas riquezas para os que a amam e abraçam. Ó Santa pobreza, pela qual Deus promete o Reino dos céus aos que a possuem e desejam, e certamente lhes concede a glória eterna e a vida bem-aventurada. Ó sagrada pobreza, que o Senhor Jesus Cristo se dignou abraçar, preferindo-a a todas as riquezas. Ele que governa o céu e a terra Se, pois, alguém, te disser ou sugerir algo que impeça a tua perfeição ou que vá contra a tua vocação divina, não sigas o seu conselho, mesmo que te mereça muita veneração antes, como virgem pobre, abraça a Cristo pobre” (1In 13a-17; 2In 17-18).
Francisco, desposou a Dama Pobreza, e lhe foi fidelíssimo até na morte, quando quis morrer nu sobre a terra nua. Sua pobreza está fundada sobre a atitude do próprio Deus que nasceu pobre, viveu pobre e morreu na ignominiosa pobreza da cruz, para transformá-la na Fonte da maior riqueza. Por amor à pobreza de Deus ele se fez pobre, viveu como pobre entre os mais pobres, amou-os, serviu-os, lavou-lhes as feridas e lhes anunciou que Deus lhes tem especial amor. Entre os inúmeros testemunhos relatados na Fontes encontramos este precioso:
“Pai dos pobres, o pobre Francisco queria viver em tudo como um pobre; sofria ao encontrar quem fosse mais pobre do que ele, não por vanglória, mas por íntima compaixão. Não tinha mais do que uma túnica pobre e áspera, mas muitas vezes quis dividi-la com algum necessitado.
Movido de enorme piedade, no tempo de muito frio, esse pobre riquíssimo pedia aos ricos deste mundo que lhe emprestassem mantos ou peles para poder ajudar os pobres em todas as partes.
E como eles o atendiam com devoção e com maior boa vontade do que a do santo pai aos lhes pedir, ele dizia: “Eu recebo isto com a condição de vocês não ficarem esperando devolução”. E logo que encontrava um pobre ia todo alegre cobri-lo com o que tivesse recebido.
Doía-lhe muito ver algum pobre sendo ofendido, ou ouvir alguém dizendo palavras de maldição para qualquer outra criatura. Aconteceu que um irmão disse uma palavra má a um pobre que pedia esmolas, pois lhe falou: “Veja lá que você não seja um rico que está se fingindo de pobre”.
Ouvindo isso, o pai dos pobres, São Francisco, teve uma dor muito grande e repreendeu o frade com dureza. Mandou que se despisse diante do pobre, beijasse os pés dele e lhe pedisse desculpas. Costumava dizer: “Quem amaldiçoa um pobre injuria o próprio Cristo, de quem é sinal, pois ele se fez pobre por nós neste mundo”. Por isso era frequente que, ao ver algum pobre carregando lenha ou outra carga, ajudasse com seus próprios ombros, tão fracos” (1Cel 76).
Clara, Francisco, alcancem-nos de Deus o amor aos pobres que abrasou seu coração. Que nossa opção pelos pobres não esteja só em nossa boca, mas desça a nosso coração, baixe para nossas mãos, mova nossos pés ao encontro daqueles que a sociedade marginaliza, rejeita, explora e mata.
Pai dos pobres, ajuda-nos a que saibamos acolher amorosamente e compartilhar generosamente com tantos homens e mulheres, jovens, anciãos e crianças que não encontram lugar nesta casa comum e são forçados a viver de migalhas às margens de todos os bens que Tu, Pai/Mãe pões à nossa disposição cada dia.
“Dá-nos um coração grande para amar! Dá-nos um coração forte para lutar pela justiça, pela vida abundante para todas as pessoas e para a Mãe Terra, “a mais pobre entre os pobres”.
Comentários
Precisa ser lido e relido cem vezes.
Gratidão, Maria.