A família franciscana e todo o mundo que ama Francisco de Assis e o tem como inspiração na vivência do evangelho celebrou, no último 17 de setembro, os 800 anos em que ele foi marcado pelos sagrados estigmas, as chagas do Cristo crucificado.
Estas chagas, como as de Jesus, têm um significado que transcende a história, transcende a pessoa de Francisco. São chagas de mãos, de pés de corações de todos os tempos e lugares.
São as feridas das mãos calosas que “afagam a terra”, que abrindo seu ventre fecundo, responde com a abundância de seus dons... são as mãos feridas que se estendem em súplica e muitas vezes se encolhem em lágrimas, em humilhação...As mãos que se ferem nos fogões, no corte de cana, no cabo da enxada e da foice, nos teares onde confeccionam o abrigo dos corpos pobres, as redes que embalam o repouso dos corpos cansados... as mãos feridas pelo sabão, pelas pedras e espinhos, pelas máquinas sôfregas e insaciáveis. Mãos benditas e portadoras de bênção, mãos “que acariciam e amassam pão”.
São chagas de pés feridos de migrantes em busca de melhores condições, de mais vida para suas famílias e que, muitas vezes, encontram rejeição e humilhação, encontram mais fome, cansaço, carências de todo tipo. Chagas de pés de homens e mulheres feridos no cansaço de um trabalho extenuante e em desumanas condições. Chagas também dos pés de tantas Marias que sobem íngremes caminhos para ajudar as “Isabéis” necessitadas de mão amiga ...
São chagas que sangram corações de mães e pais dilacerados pelas perdas de filhos para as drogas, para os acidentes, para o assassinato... De corações que sangram pela dor alheia que fizeram sua. Corações de crianças famintas e assustadas, de anciãos cansados e abandonados, de jovens sem horizontes...
Tantas chagas...tantos pés, mãos e corações solidariamente sangrantes...
“O homem novo, Francisco, ficou famoso por um novo e estupendo milagre: por um singular privilégio, jamais concedido nos séculos anteriores, foi marcado e ornado pelos sagrados estigmas tornando-se semelhante em seu corpo mortal ao corpo do Crucificado. Tudo o que se possa humanamente dizer dele sempre estará aquém do louvor que ele merece. Não temos que buscar razões nem quem foi seu exemplo, porque ele é único.
Todo esforço do homem de Deus, tanto em público como em particular, era para com a cruz do Senhor; e, desde que começou a batalhar pelo Crucificado, brilharam nele diversos mistérios da cruz.
Quando, no começo de sua conversão, resolveu despedir-se de todos os enganos deste mundo, do lenho da cruz Cristo dirigiu-se ele, enquanto orava, soltando pela boca da imagem estas palavras: “Francisco, vá reparar minha casa que, como vês, está sendo toda destruída”. Desde então ficou profundamente gravada em seu coração a lembrança da paixão do Senhor e, realizada uma enorme conversão interior, sua alma começou a derreter-se, quando o amado lhe falou” (3Cel -Tratado dos Milagres 2, 1-7).
Pelo amor filial que a unia a Francisco, Clara sofria certamente com as dores do Pai, ao mesmo tempo que as reverenciava. Ela também sofreu tantas feridas de pobres, enfermos, de suas irmãs, feridas do povo. Mas ela teve suas próprias “feridas”, também fruto da amorosa penitência, segundo testemunho das fontes biográficas.
“Tinha corrido quarenta anos no estádio da altíssima pobreza e já chegavam muitas dores, precedendo o prêmio do chamado eterno. O vigor de corpo, castigado nos primeiros anos pela austeridade da penitência, foi vencido no final por dura enfermidade, para enriquecê-la, doente, com o mérito das obras. A virtude aperfeiçoa-se na enfermidade.
Vemos a que ponto se acrisolou na doença sua virtude maravilhosa principalmente porque, em vinte e oito anos de contínua dor, não se ouviu murmuração nem queixa. De seus lábios brotavam sempre santas palavras, uma ação de graças contínua” (LSC 39,1-4).
Francisco, Clara, ajudem-nos a ser pacientes com nossas feridas: as que adquirimos em nossos trabalhos, as que nos marcam na convivência, todas as que a vida nos traz. Mas ajudem-nos a tratar mutuamente, com amor, nossas feridas, como vocês faziam com as dos leprosos, as dos pobres, as dos irmãos e irmãs. Clara, Francisco que saibamos fazer de nossas feridas caminho de crescimento, caminho para a maturidade, caminho para Deus.
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